A infraestrutura da devastação na região Sul Americana (IIRSA)

MUITOS POVOS, comunidades e localidades rurais no mundo hoje estão enfrentando um dos panoramas sociais e ambientais mais complexos jamais antes evidenciados. As consequências da industrialização do planeta fazem-se visíveis diariamente na vida de milhões de seres humanos. A mudança climática, a seca, a erosão dos solos, a diminuição do oxigeno nos mares, o derretimento dos glaciares, o desmatamento, o avance da desertificação, a devastação sem freio mega mineira, são o resultado de mais de 200 anos de extração sistemática, intensa, irracional e ilimitada dos “recursos da Terra”. Estragos que hoje se manifestam com a desaparição de espécies animais e vegetais, e com a destruição de nossa Terra, quem nos dá a vida.

Cada dia, as pessoas que habitamos os campos, os montes ou as mares, olhamos, escutamos e sabemos como se derrama petróleo num porto, como se pulei as águas de todo um rio com cianureto, como se inundam milhares de hectares de bosque nativo para gerar energia. Ao mesmo tempo ouvimos e informamo-nos da grande quantidade de megaprojetos que continuam sendo aprovados para se executar, ou das centenas de iniciativas que estão numa pasta na espera da sua aprovação, na América Latina toda. Então, perguntamo-nos, como é possível que os que “representam”, sabendo das consequências da destruição e da morte que ocasiona a industrialização, continuem implantando essas iniciativas que aumentam e aceleram a extração de recursos nas costas da vida?

A extração de matérias primas em volumes descomunais, de um jeito intensivo e sem processamento no território local, como “modelo de desenvolvimento e progresso”, foi imposto justificando a devastação como um processo necessário e natural para “nosso bem estar humano”, substituindo paradigmas de vida ancestrais –baseados, por exemplo, no bom viver- pela produtividade e pelo consumismo como únicos parâmetros de vida. Este modelo não é novo no nosso continente latino-americano, assim como em outros territórios do denominado tecer mundo que, desde o seu “descobrimento” foram saqueados de forma ininterrupta pelos que fizeram “inversões” nos recursos que aqui temos. Modelo que com o passar dos anos, não fez mais do que se aperfeiçoar e que hoje adquire sua dimensão mais aterradora desde o etnocídio de 500 anos atrás. Em toda América do Sul, enfrenta-se hoje um dos maiores projetos de reordenamento territorial já realizado: A Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Uma plataforma de nível continental, cuja a finalidade é transformar a geografia do continente, para facilitar, agilizar e intensificar a extração dos recursos.

Para entender a magnitude do que significa o IIRSA, temos que aclarar primeiro que é uma iniciativa motivada pelas necessidades do mercado mundial, do qual –por mais que queiram nos fazer crer- nenhum de nós é parte, pois se orientam pelo sistema de relações econômicas entre as empresas transnacionais, organizações economicamente internacionais (banco mundial, BID, etc.) e os organismos de relações exteriores dos Estados Unidos. Um sistema baseado na divisão internacional do trabalho (divisão do processo mundial entre países e regiões, mediante especialização), um modelo colonialista no qual as empresas multinacionais são responsáveis dos 75% da produção mundial, sendo eles quem toma as decisões fundamentais sobre o jeito no qual se organiza o trabalho (produção) a nível internacional. Neste contexto, América Latina foi convertida na provedora ilimitada de petróleo, minerais, madeira, celulosa, peixes, agrotóxicos e soja, entre muitos outros, explorando dos seus solos e mares, todo o que a tecnologia facilita extrair. Hoje, o avanço da técnica a serviço das empresas, permite extrair recursos naturais em lugares antes impensados, em volumeis descomunais e ao ritmo mais acelerado da historia; rompendo, por fim, esse único obstáculo para o saque: a geografia de nosso continente. A cordilheira dos Andes, as selvas, os mares, hoje são obstáculos para a circulação das mercadorias, que a IIRSA busca derrubar através da implementação de obras de infraestrutura, energia e telecomunicações: rodovias, ferrovias, oleodutos, gasodutos, tendidos elétricos, hidrovias, portos, aeroportos, represas, centrais hidroelétricas, portos marítimos sobre rios, entre muitos outros.

A iniciativa IIRSA surge em 2000 em BRASILIA, e é um tratado entre os treze(?) países de América do Sul, o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID), o Fundo Financeiro da Cuenca del Plata (FONDO PLATA) e o Banco de Desenvolvimento de América Latina (CAF). Neste tratado o BID entregou uma proposta de integração de infraestrutura sul-americana, onde o continente fica organizado, na sua largura e comprimento, em 10 Eixos de Integração e Desenvolvimento (EIDs). Esses eixos são definidos -segundo o site web de IIRSA- como “zonas multinacionais de território”, onde se concentram espaços naturais, assentamentos humanos, zonas produtivas e fluxos comerciais. Cada uma dessas franjas seria modificada com fim de interconectar os territórios extrativos, e configurar corredores comerciais com saídas para as costas do Atlântico e do Pacífico: Os que são denominados Corredores Bi-oceânicos. Em outras palavras, a IIRSA é uma plataforma de integração da infraestrutura que busca conectar os centros de produção com os de consumo, barateando e acelerando translado, facilitando a exploração de bacias hidrocarburiferas, minerais, recursos energéticos, aquáticos, agropecuários e o transporte para os centros industriais de destino (na Ásia, principalmente).

Este cenário de desconexão absoluta entre as realidades, necessidades locais e a implantação, junto com o começo das obras de megaprojetos que são a resposta ao mercado mundial, não é uma casualidade. E acontece que para compreender a magnitude do problema do extrativismo falta entender o jeito no que as transnacionais e os capitais mundiais concebem nossa Abya Yala: como uma grande fonte de recursos para explorar num ritmo que não permite sua regeneração, saque possibilitado primeiro pela violência da colonização e logo pela cumplicidade dos “estados nações”.

Apesar das muitas comunidades que, ao longo do continente, já enfrentam as consequências da instalação da IIRSA desde há muitos anos, este é um megaprojeto que até hoje se encontra invisível no nível da opinião publica. Isto, com a finalidade dividir os conflitos territoriais, separá-los como se não tivessem nada em comum –a nível sul-americano- e como se a maioria não estivesse envolvida neste descomunal projeto que engloba sul-america como uma grande fabrica de mercadoria. IIRSA já começou suas obras e muitas poucas pessoas sabem disso no Brasil, por exemplo. Na Bolívia, a defesa do TIPNIS, (Parque Nacional e território Indígena Isiboro Secure) diante uma rodovia que pretende cortá-lo em dois, ameaçando para a extinção de comunidades e natureza; No Peru, a rodovia interoceânica em Madre de Dios já trouxe consigo invasão de terras, poluição pela mineira de ouro, extração do tipo petroleira e agroindustrial. E na Colômbia a região de Putumayo está sendo atravessado por dois eixes de integração IIRSA: O eixe amazônico, que contempla portos, rodovias e canalização do Rio para fazê-lo navegável. E o eixo andino, que contempla rodovias e rede elétricas. IIRSA avança com a rapidez do capital e não temos certeza de como se executa nesta parte da região, o que sim sabemos é que muitas das iniciativas energéticas, por exemplo, amparadas pelo mito da “crise energética” se instalam e se continuam implementando para que a energia seja vendida ao estrangeiro e para alimentar projetos fora deste continente.

Muitas vezes nos perguntamos: O que mais? Quanto mais temos que produzir para alcançar o progresso? Para conseguir essa promessa, a felicidade e esse bem-estar postergados para o futuro. Hoje temos conhecimento graças ao fluxo da informação e à próprias realidades que nos tocam viver, que a grande quantidade de megaprojetos industriais e extrativos que se instalam na região não contribui para o nosso desenvolvimento nem para nossa qualidade de vida, muito pelo contrario, empobrecem, adoecem, contaminam e condenam nossos territórios á devastação e com isso põe em risco nossa própria existência. A IIRSA pretende servir aos interesses das transnacionais obcecadas por extrair a maior quantidade de mercadorias e lucros que sejam possíveis nas costas da destruição expansiva da natureza e da humanidade.

Tradução de um texto do jornal El Pilpilen Negro.

Desde a costa semiárida de Los Choros, Região Chilena.

Quando a geografia é um obstáculo para o saque.
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