Existem datas que se perpetuam!
A Comuna de Paris é uma delas, das mais empolgantes no calendário histórico-político-social que a humanidade registrou.
Produto de uma sementeira libertária de longa data, ganhou raízes, começou a germinar entre pessoas operárias e intelectuais, evoluiu, realizam congressos, movimenta, ganha velocidade e ação.
Responsável por esta energia ideológica, proletariado francês não podia aceitar a traição de Generais que abandonaram a França às hordas militares prussianas. Thiers, para obter a paz, ofereceu-lhes as chaves de Paris, cinco milhões de francos e a Alsácia e Lorena. A capitulação fora anunciada em 28 de janeiro de 1871, pelo Governo de Defesa Nacional. Mas o povo de Paris não aceitou a rendição!
A França proletária não podia suportar tanta covardia militar, desafia o inimigo invasor e no dia 18 de março de 1871, as pessoas de Paris proclamam a Comuna! Pessoas operárias e camponesas de todo o país foram convocadas para ajudar na “liquidação do Governo traidor, a fim de que cada pessoa fosse dona de seu próprio destino”.
Estava feita a revolução popular! Agora era só consolidá-la!
Ouçamos uma das mulheres que lutou na Comuna: Luiza Michel:
“Ao romper da aurora ouvia-se tocar a rebente: marchávamos a passo de carga, sabendo que íamos ao encontro do poderoso exército que se alinhava em posição de batalha.
Sentíamo-nos como se não pisássemos a terra, porque acreditávamos que íamos morrer pela liberdade. Depois de nossa morte, Paris inteira se levantaria de armas nas mãos para se defender ou morrer pela causa. Em certas horas, a população constitui a frente do oceano humano.
O horizonte estava aureolado por uma suave luz branca, um esplêndido amanhecer de libertação. De repente, ao nosso lado, marchando conosco, vi minha mãe e senti uma angústia espantosa; inquieta vindo todas as mulheres estavam ali, marchando nas fileiras da liberdade, ao encontro da morte. Mas não era a morte que nos esperava lá no alto da Colina onde o exército já dispunha os canhões para juntá-los aos de Batignolles, tomados durante a noite: era a surpresa de uma vitória popular.
Entre nós e o exército, as mulheres se lançam sobre os canhões e metralhadoras: os soldados surpreendidos por este heroísmo, permanecem imóveis.
Enquanto o general Leconte ordena aos soldados que façam fogo sobre a multidão, um suboficial, saindo das fileiras, pára em frente a Companhia sobre o seu comando e grita, abafando a voz de Leconte: Culatras arriba! Os soldados obedecem. Era Verdaguerre, a quem, sobretudo, por essa atitude, se fuzilou em Versalhes, meses depois.”
Secundando a vitória, as pessoas Comuneiras distribuíram a sua “Declaração ao Povo Francês”, da qual traduzimos o seu fecho:
“A Revolução Comunalista, começada por iniciativa popular em 18 de março, inaugura um era nova de política experimental, positiva e científica.
Apelamos, por isso, para toda França.
Lembrem-se que Paris em armas possui tanta calma como bravura; que sustenta a ordem com tanta energia como entusiasmo; que se sacrifica com tanta razão como heroísmo; que não se armou para lutar pela liberdade e pela glória de todas as pessoas.
Quanto a nós, pessoas Cidadãs de Paris, temos a missão de completar a revolução moderna no sentido mais largo, mais amplo e mais fecundo de todas as revoluções que têm iluminado a história.
Impõem-se nos o dever de falar e de vencer.
Paris, 19 de abril de 1871.”
Para o geógrafo e anarquista Eliseu Reclus, participante da Comuna e condenado à morte por isso, pena trocada por sua expulsão do país atendendo aos apelos dos homens da ciência do mundo, viu nesse movimento “superioridade a todas as revoluções que a precederam, inclusive o estoicismo das 147 pessoas que foram fuziladas junto ao “Muro dos Federados, no Cemitério Père-Lechaise em Paris”. (em Cuba alguns muros usados por Fidel Castro para fuzilamentos de “inimigos” passaram a história como “El Paredón).
A experiência durou 55 dias, tempo suficiente para registrar a participação valiosa das mulheres, de cujo o rol extraímos alguns nomes: Natalia Le Mel, deportada para Caledônia; Marie Ferré, condenada a trabalhos forçados por toda a vida; Linna Houseau, condenada à morte; Ristoff, condenada à morte; Marchais, condenada à morte; Suetans, condenada à morte; Marguerite Diblane, condenada à morte; Laure, Hortense Daud Vautrain, Leroy e Marie Cayen, condenadas a trabalhos forçados por toda a vida.
Deportada para Caledônia foi também Luiza Michel, professora, poetisa, escritora e jornalista libertária, cuja participação na Comuna de Paris foi das mais evidentes.
Condenada à deportação, Luiza pediu que a fuzilassem com suas companheiras, mas não foi atendida.
Em sua homenagem, e por extensão a todas as mulheres comuneiras, vamos inserir neste artigo, suas próprias palavras:
“A proclamação da Comuna foi esplêndida. Não era a festa do poder, mas a cerimônia do sacrifício. Sentia-se que os eleitos eram votados ao martírio e à morte. A tarde de 28 de março, sob um sol magnífico que recordava a aurora do 18, o 07 Germinal, ano 79 da Republica, o povoe de Paris, que a 26 havia elegido a própria Comuna, inaugurou a sua entrada no Palácio da Cidade.
Um vasto oceano humano; o clangor dos clarins e os tambores rufaram em surdina, o bater dos dois caixas inimitáveis de Montmatre, aqueles mesmos que na noite em que entraram os prussianos acordaram Paris; as baquetas espectrais e os seus punhos de aço ecoavam sons estranhos.
Mas desta vez os sinos estavam mudos; o pesado troar dos canhões, em intervalos compassados e regulares, saudavam a Revolução.
E as baionetas se abaixavam ante a bandeira vermelha das pessoas comuneiras, que em grupo circundavam a estátua da República.
Toda Paris em pé. Os canhões, a intervalos, fazem ouvir os seus estampidos. Numa tribuna está o Comitê Central. Em frente os membros da Comuna, todos com faixa vermelha. Poucas palavras entre um tiro e outro da artilharia.
O Comitê declara findo o seu mandato e entrega o poder à Comuna. Faz-se um apelo aos eleitos. Um clamor enorme se eleva: Viva a Comuna! Os tambores batem o sinal de combate, os canhões rompem os raios do sol.
-Em nome do povo – disse Ranvier -foi proclamada a Comuna!
Tudo foi grandioso neste prólogo da Comuna; a morte devia consagrar-lhe a apoteose. Nada de discursos: mas um grito, imenso e retumbante: Viva a Comuna!
Todas as bandas de música tocam a “Marselhesa” e o “Canto da Partida”. Um furacão de vozes repetem-lhe o estribilho. Muitos velhos abaixam a cabeça. Dir-se-ia que ouviam a voz dos mártires da liberdade.
São homens de junho e de dezembro, alguns já todos brancos, outros de 1830. Mabile, Malezieux, Cayol.
O único poder que poderia ter feito qualquer coisa era a Comuna, composta de pessoas de inteligência, de coragem, de honestidade a toda prova, de devoção e de energia.
Mas o poder os manietou, não lhes deixando senão sua indomável vontade para os sacrifícios; souberam morrer heroicamente. Todo o poder traz em si o gérmen da destruição. Por isso mesmo é que sou anarquista.
Luiza Michel.”
Contra os fuzilamentos e assassinatos de cerca de 35 mil revolucionários e as deportações em massa dos Comuneiros, choveram protestos, explodiram manifestações de repúdio em vários países.
Apesar do clamor universal em 1876 o parlamento francês intoxicado pelo ódio aos Comuneiros e ao povo que pretenderam dispensar seus serviços rejeitou por 422 votos contra 50 a proposta de anistia para os presos da Comuna apresentada por Raspail.
Restituídas à liberdade as mulheres da Comuna continuaram sua caminhada. Luiza Michel destacou-se pela sua luta emancipadora, merecendo ataques pessoais e ideológicos do historiado português Manuel Pinheiro Chagas, publicados pelo jornal O Repórter de 25 de janeiro de 1888, acabando por levar uma bengalada (?) ou cair de susto ferindo-se na cabeça. O episódio resultou na prisão de vários anarquistas, um rumoroso julgamento de três deles e a condenação de Manuel Joaquim Pinto a 18 meses de prisão, em 16 de junho de 1888.
Luiza Michel morreu em 10 de janeiro de 1905.
Não é exagero dizer-se que a Comuna de Paris foi obra de pessoas emancipadas que lutaram e morreram lado a lado.
Gazeta do Sul – 19/03/1983