O desenvolvimento do anarquismo ocorre duplamente, na pessoa e em seu coletivo.

Como as aspirações desses dois elementos são diferentes, temos um choque de aspirações: o coletivo tende a assimilar cada uma de suas pessoas; simultaneamente as pessoas também procuram imprimir ao coletivo as suas marcas, suas aspirações. O conjunto de tudo isso, é uma sociedade em permanente mutação.

Verifique que isso não se enquadra dentro do paradigma (jeito “acadêmico” de expressar um modelo) dialético marxista, como muitas “científicas” afoitas já se pronunciaram. O dinamismo apresentado ultrapassa uma simples síntese mecânica, que é uma vulgarização desse desenvolvimento, mas que se difundiu estrondosamente pela esquerda autoritária marxista. E isso é verificável diante dos fatos históricos que presenciamos. Não precisamos ir tão longe para identificar que o desenvolvimento humano até o presente momento não surtiu nenhum avanço de rompimento das opressões e explorações para o coletivo ou para as pessoas.

Esta afirmação é aterradora e muitas não a aceitarão. Isso é muito compreensível, uma vez que todo lastro de nossos conhecimentos e impressões se fundamentam no progresso, no desenvolvimento espiralado da humanidade e na crença de sua evolução.

Tudo isso é uma ilusão, da qual esse texto faz parte. A transformação perpétua das pessoas e coletivos ocorre repetidamente, imutável em sua dinâmica transformadora. Isso gera insegurança e desequilíbrio em ambas as partes. Tanto as pessoas ficam incomodadas por não conseguirem sair desse contínuo começo, como a coletividade demanda muita energia para assegurar um desenvolvimento, um progresso, equilíbrio que não existe. Como explicar isso?

O simples processo de nascimento é um começo para cada pessoa, consequentemente para o coletivo, que precisa reafirmar todo o processo que o mantém coerente.

Não só é um começo, mas um novo começo, um começo diferente, uma vez que as condições de cada lado está diferente.

Por que as condições de cada lado são diferentes?

A diferença que ocorre na ilusão de progresso, de desenvolvimento que o coletivo procura e tenta acumular. Assim, embora as pessoas em todas as épocas nasçam iguais, as ilusões de progresso impregnadas no coletivo são transferidas às pessoas, imprimindo uma ilusão de progresso, e assim a sensação de um desenvolvimento do coletivo humano é sentida.

Mas logo é ameaçada pela realidade, ou ao menos por sua face rápida que se transformará em uma velocidade ainda inimaginável. É muito rápido para que nossa lógica possa compreender, mas se manifesta em tudo. Verificaremos que ao captar uma imagem da sociedade, temos um quadro de uma diversidade impressionante, temos tudo e todas em um momento apenas.

Todos os aspectos do coletivo e da pessoa está ali, em suas diversas manifestações e entendimentos. Dizer que uma forma, um paradigma é mais abrangente do que outros, ou mais preponderante, ou mais lógico, é um totalitarismo oportuno, muito destrutivo para as infinitas possibilidades humanas.

Pense ainda que a pessoa que capta esta imagem é diferente do que está lendo, que tem uma outra imagem; pense em uma terceira pessoa e assim por diante. Cada qual é uma, e ao mesmo tempo, pelo choque com o coletivo, se torna parte discriminada na retroalimentação do próprio coletivo, mais uma peça da ilusão de tradição que a humanidade acredita precisar.

Sobre tudo isso, tanto o coletivo e as pessoas mesclam-se variavelmente e nas mais diversas formas. Tudo isso se manifesta simultaneamente. 

Mas há um grande desafio aqui. 

Como tudo isso não é tão lógico a primeira vista, mensurável, progredível, tanto as pessoas como o coletivo, aprisionados a sua ilusão de progresso, desenvolvimento ou seja lá como queiram chamar, causam exploração e opressão, justamente por prender-se uma ilusão que não existe, de progresso. Ou melhor, a ilusão de progresso ocorre sobre a miséria e regresso, o que anula este suposto progresso.

Isso simplesmente é voltar ao início.

Ilustremos com a lembrança do trabalho de Sísifo.

Toda essa ilusão é o trabalho de rolar a pedra, que é o nosso progresso montanha acima, para constatarmos, perplexos, que ela rola novamente para baixo assim que a largamos, esmagando milhões em sua rota.

Anarquicamente, pretendemos não resolver os problemas das pessoas e do coletivo, mas assegurar que as manifestações de liberdade e justiça não estejam limitadas às esferas ilusórias atuais de um progresso inexistente.

Perguntaremos, para que rolar a pedra se ela esmagará milhões? 

Nos recusamos a compactuar com uma ilusão tão mortal. E nem, queremos com essa consciência ilógica, sugerir um progresso ou um novo paradigma. Não somos ambiciosas, apenas lutamos para que a liberdade seja comum a todas sem exceções e contemplarmos o impossível formado.

Se isso é subir a montanha sem a pedra, mantendo-a lá embaixo; ou não subi-la, contemplando sua altura; ou subir com a pedra, mas fixando-a lá em cima; ou que muitas optem em serem esmagadas …

Bem, lutemos por isso, por que não?

Na luta somos dignas e livres!

ANARQUISMO EM CONSTRUÇÃO
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