A vinda de imigrantes – franceses, suecos, poloneses, austríacos, talvez outras etnias, mas majoritariamente italianos – para a região da Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul, Brasil, no último quartel do século XIX esteve fortemente vinculado à fixação desses trabalhadores e trabalhadoras ao meio rural. Oriundos em sua maioria de regiões rurais da Europa, ao virem para o Brasil enfrentaram enormes dificuldades, pois foram jogados a própria sorte em parcos lotes rurais. Essas propriedades que receberam tiveram que ser pagas. Em consequência a subsistência das famílias ficou presa aos resultados das colheitas, feitas essas inicialmente em condições precárias e sem praticamente nenhum suporte das autoridades brasileiras.

Cumpre não obstante lembrar que por mais adversa que tenha sido essa situação, a dos imigrantes brancos que receberam frações de terras em vários projetos de colonização, ela em momento algum se compara com o total abandono da mão de obra servil – escravos – imposto pelo Estado brasileiro e pelos Senhores de Escravos. Os governantes em momento algum se interessaram em resgatar minimamente os africanos e seus descendentes, ofertando-lhe terra, educação e saúde pública, para que mesmo que precariamente tivessem acesso à cidadania.

No contexto dos primórdios da ocupação das terras pelos imigrantes europeus em terras da Serra do Rio Grande do Sul, toda a unidade familiar ficou praticamente presa as atividades rurais. Homens, mulheres e crianças trabalhavam de estrela a estrela na faina pela sobrevivência. Nos períodos de entressafra qual o costume na Europa os homens saiam para trabalhar no Porto de Rio Grande, nas minas da Região Carbonífera, pedreiras e em trabalhos públicos (aberturas de estradas, construção de pontes, etc.).

Ficavam em consequência as mulheres tendo que dar conta de todo os afazeres da propriedade. Essas em sua maioria analfabetas já na Europa viram seus filhos crescer ou nascer no Brasil também enfrentando a mesma situação. Consta que dentre os imigrantes homens a maioria tinha algum tipo de escolarização, mesmo os que vieram das comunas rurais da Europa. Nesse particular, tanto Império, quanto República foram totalmente omissos em dotar as comunidades rurais, vilas e incipientes cidades de Escolas e Professores. Nas Vilas do meio urbano, uns poucos professores ensinavam em italiano e eram particulares, conseqüentemente poucos tiveram acesso a algum tipo de instrução no final do Século XIX e primórdios do XX. Provavelmente também tenhamos tido Professores de polonês na região dita Colonial.

Desde o inicio da imigração as mulheres do meio rural executavam tarefas “auxiliares” junto ao esposo na lide diária das culturas e, além disso, cuidavam de todas as tarefas domésticas, denominadas “inferiores ou típicos de mulher”, obviamente “impróprias para homens”, as quais compreendiam tarefas no cultivo de hortas e pomares, criação de animais de pequeno porte tais como: patos, marrecos, gansos, galinhas, porcos, cabras, ovelhas, vacas leiteiras, mulas, eventualmente uma junta de bois, etc.

Nas tarefas triviais se incluía parir a prole, sempre numerosa, criar e educar os filhos e mais dar conta das tarefas domésticas, como cozinhar em forno a lenha, lavar e passar, obviamente tudo de forma braçal. Em regra as roupas de uso da família eram feitas – tecidas e costuradas – em casa a noite a luz do candeeiro – tchareto – pela mãe, avó ou filhas já crescidas. Muitas foram às famílias, leia-se em sua maioria mulheres e crianças que cultivavam o linho e teciam panos e cordas grosseiros na roca caseira. O uso do bicho da seda também não era novidade para os imigrantes.

Os feriados, dias chuvosos, sábados e domingos encontraram a mulher rural executando além das tarefas do cotidiano, trabalhos que visavam “adiantar” os serviços para os dias favoráveis de tempo bom, junto à lavoura maior (carpa, colheita, adubação, podas, etc.). Debulha de milho, abate de animais domésticos, preparo de conservas, feituras de chapéus de palha, são algumas das muitas tarefas destinadas ao “sexo inferior”. As filhas desde a mais tenra idade além de receberam toda uma “capacitação” para a execução das tarefas domésticas, acompanhavam os demais familiares com uma enxada, ancinho, foice ou facão entre outros utensílios agrícolas ao ombro e conseqüentemente participando do plantio e colheita dos produtos agrícolas com empenho e denodo quais os homens da família. Por outro lado, a gerência de toda a economia da unidade agrícola (Colônia) em regra ficava a cargo do homem ao qual cabia naturalmente se apropriar de todos os valores auferidos com a produção.

Um exemplo típico dessa situação esdrúxula (divisão sexual do trabalho) é que a mulher competia tratar os animais domésticos, tirar o leite, lavar o vasilhame para esse, levá-lo até a estrada, onde eventualmente o leiteiro o recolhia, ou elaborar com o leite excedente, queijos ou coalhadas (puína no dialeto Vêneto), por outro lado receber os valores da venda do leite, do queijo, manteiga ou coalhada cabia exclusivamente ao homem.

O nascimento de uma filha, no seio da família rural, era visto com reservas. A preferência era por um varão, o qual manteria o nome da família, algo sobejamente valorizado na chamada Região Colonial do Rio Grande do Sul. As mulheres em regra segundo esses costumes também ficavam tolhidas do direito de herança, maneira essa largamente aceita tanto no meio rural quanto urbano da região constituída por elementos preponderantemente de origem latina. Os bens da raiz eram destinados a um dos filhos, o qual, via de regra, assumia o compromisso tácito de zelar e prover na velhice de seus ascendentes, regra essa em todos os tempos problemática e não raro descumprida. Nessa gama de compromisso se poderia incluir algum familiar com deficiência física, ou ainda uma irmã ou tia que não tivera a “felicidade” de ter marido. Mais de uma vez restou para filha ou nora deserdada do direito de propriedade ter que arcar com o sustento de pais ou sogros idosos e enfermos.

Não bastasse o fardo laboral e da absoluta falta de lazer, pois a freqüência da mulher rural a festas profanas, sobretudo bailes era vedado pela Santa Madre Igreja, constituindo fator de desonra para a moça, isso extensivo aos familiares, que se aventurasse eventualmente a comparecer a esse tipo de acontecimento. Os Padres difundiam a idéia de que era pecado a realização de bailes.

Nas cidades da Encosta Superior do Nordeste do RS, formadas em sua maioria por imigrantes, desde os primórdios existiram clubes sociais e recreativos, logo se observa que a reacionária Igreja com fortíssima presença na região sob o beneplácito das ditas autoridades laicas do Estado teve menor influência nesse particular, não obstante, a boa família católica, devia também se abster de comparecer. No interior, meio rural, a situação em muitas comunidades a conduta foi controversa, pois em algumas poucas comunidades defendeu-se o direito da realizar bailes e custodiadas pelos pais e irmãos as moças puderam comparecer. Pode que mesmo aí tenha prevalecido o objetivo da família de “arranjar” marido para a filha que era vista como um estorvo dentro de casa, do que se garantir algum parco momento de lazer.

Festas a Igreja Católica realizava as pencas (fato corriqueiro inclusive na atualidade) com o fim de angariar fundos, onde mais uma vez as mulheres trabalhavam horas a fio sem nada receber. Nas orações, cultos e celebrações a mulher participava de modo isolado dos homens (apartados no linguajar gaúcho) mesmo no recinto do templo. Após as celebrações de cunho religioso, com ou sem a participação de Sacerdotes, os homens se dirigiam para local a eles exclusivamente destinado (bodegas, salões, vendas). Lá bebiam, jogavam cartas, bochas e bolão entre outros “entretenimentos salutares”. As mulheres “naturalmente” deviam retornar ao seio protetor do lar e obrigatoriamente ao trabalho após participar da celebração eucarística, geralmente dominical ou das festas realizadas nos dias santos. Nos dias santos de guarda, necessário e indispensável que fossem as igrejas para se confessarem. Para se unir em matrimônio, em regra prioritariamente na Igreja e no civil, era exigido da mulher um dote que ela mesma devia constituir com redobrado esforço, pois não podia descurar das outras tarefas que lhe competiam no seio da família patriarcal. Com a participação das avós, mães e irmãs a moça em seus anos iniciais de juventude (não poucas com 15 ou 16 anos já estavam casadas e com filhos), mesmo ainda sem ter pretendente, começava a executar tarefas extras como o fabrico de queijos, licores, geléias, biscoitos, massas e pães caseiros, embutidos, criação de codornas e coelhos, entre outros produtos de origem colonial, com o fito de ao vendê-los no meio urbano, juntar uns trocados que lhe permitissem migrar da condição de moça de boa família para a de esposa submissa, trabalhadeira e portadora de uma dotação. Dote esse constituído dos “trens” de cama e mesa. As mais aquinhoadas por vezes traziam para o novo lar uma vaca leiteira e até uma máquina de costura, tornando-se com isso uma elogiável referência. Por décadas as cidades – sob o ponto de vista legal as cidades da região receberam inicialmente a denominação de Vila, embora tivessem Conselho e Intendente – da Região Colonial viram cruzar nas suas ruas e avenidas mulheres do interior bastante ‘queimadas’ do sol, carregando no lombo de uma mula seus produtos coloniais, diga-se de passagem, largamente aceitos e muito mais baratos que os vendidos na cidade, com o fim de conseguir juntar uns trocados que entregues aos pais, iriam lhes possibilitar constituir o modesto dote.

Muitas vezes foram estes trocados que também garantiram a sobrevivência da família, quando da perda de uma safra ou pela notória e costumeira falta de pontualidade nos pagamentos dos produtos maiores como trigo, milho, centeio, cevada e a uva por parte dos comerciantes das cidades e até de outros Estados da Federação.

Fato que também merece consideração é a cedência pelo pai de filhas para executar tarefas domésticas em casas de família, tanto do meio urbano quanto rural. Para esta trabalhadora a paga estava no fato de receber um prato de comida. Eventualmente se recebesse algum tipo de pagamento este era entregue diretamente a seus progenitores.

Outro costume arraigado nas famílias da Região Colonial – campo e cidade – era também o de ter filhos religiosos, o que fortaleceu enormemente a Igreja Católica, que passou a ter preletores de sua ideologia disponíveis em quantidades que lhe permitem ainda nesse século XXI ter forte influência na sociedade brasileira.

No caso particular de Caxias do Sul, onde o processo de industrialização já trescalara raízes ainda nos primeiros anos da imigração e conseqüente formação da Vila a mulher do meio rural também é recebida para trabalhar como operária. As poucas informações disponíveis relatam que o costume era pela preferência das solteiras. “Na Metalúrgica Abramo Eberle inicialmente a mulher que optava pelo matrimonio devia se desligar do emprego”.

Nos anos 1920 ou um pouco antes este costume é deixado de lado se é que chegou a se generalizar, pois os industriais observavam que a mulher casada continuava produtiva e mais necessitada do emprego por vezes que as solteiras. O emprego de meninas – crianças – na indústria da Região Nordeste do Rio Grande do Sul é regra e não exceção, somente que o cuidado do patronal estava em não registrar essa mão de obra mesmo em seus controles internos.

Sob a alegação de aprendizado ou fornecimento das refeições, os pais ainda tinham em muitos casos que pagar para que seus filhos e filhas ainda crianças pudessem trabalhar nas fábricas. Não raro as crianças sofriam agressões físicas e verbais, por não estarem atingindo os níveis de produção exigidos. O mesmo obviamente ocorria no seio das unidades familiares rurais, onde o desempenho nas lides tinha que ser constante. Ainda nesse ano de 2013 para muitos pais ainda é mais importante o trabalho na roça que o desempenho e frequência escolar, mesmo aqui no principal Pólo Metal Mecânico do RS.

O processo acelerado de industrialização da região, o esgotamento produtivo das terras em face da exploração sem critérios dos solos (prática da coivara) e a falta de terras em vista da necessidade legal da partilha com todos os membros da família, enfraquecem bastante este modelo, fazendo que o meio urbano regional passasse gradativamente a ter mais moradores que o meio rural.

Não obstante todas as mudanças advindas da urbanização e industrialização os costumes introjetados no meio rural da Encosta Superior do Nordeste do Rio Grande do Sul ainda têm sedimentos nesse ano de 2013, embora já distantes dos anos 70 do Século XIX quando a imigração se solidifica na região. A mulher das comunidades rurais, agricultora ou dona de casa, ainda vive em estado parcial ou total de submissão aos valores patriarcais, e, “ajuda” também a reproduzi-los. Com as migrações regionais do sul em direção ao norte, observadas no Brasil, sobretudo nos anos 1970 e em países limítrofes como Paraguai e Bolívia, se verifica a extensão do seu espraiamento, pois milhões de “gaúchos” oriundos do RS vivem em outros locais que os dá sua origem inicial levando consigo valores conservadores que retardam em parte a emancipação da mulher.

Caxias do Sul, julho de 2013.

P. Anarchista

Algumas considerações sobre a situação da mulher no meio rural da encosta superior do Nordeste do Rio Grande do Sul
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