Soprando em todas as direções os ventos da liberdade, também agitou a mulher brasileira.

Muitas vêem nas manifestações pró-liberdade sexual uma conquista importante, tão importante que constituíram grupos feministas de contestação aos chamados “machões”, e reivindicam direitos de todas as formas.

De protesto em protesto, romperam o bloqueio dos homens e duas delas – as escritoras Raquel de Queirós e Dinah Silveira de Queirós – foram eleitas para Academia Brasileira de Letras do Rio de Janeiro.

Levadas pelos ventos, já realizaram o 1º Congresso da Mulher Fluminense, e pelo Brasil, explodem bombas, manifestações feministas, chegando às pichações nos muros das residências dos “machistas”.

Não faz muitas semanas, Andrée Michel, feminista francesa, esteve no Rio de Janeiro para falar dos direitos da mulher. Suas palavras no salão da IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) foram de repúdio aos crimes praticados contras as mulheres em Minas Gerais e em Cabo Frio, pelos seus maridos.

Segundo a feminista francesa e suas colegas cariocas, há muito a fazer na luta pelos direitos da mulher no Brasil e no Mundo!

Aquis já se fala muito em planejamento familiar, para evitar que os casais tenham filhos indesejados, crianças carentes e desajustadas, muitas convertidas em delinquentes ou inadaptados em nossos dias. A criminalidade infantil neste país é assustadora e em grande parte – garantem psicólogos – tem origem na miséria, nos filhos não desejados por mães solteiras ou casadas, na pobreza e nos lares em decomposição. Com o planejamento familiar e o aborto livre garantem a feministas – “estas calamidades públicas” seriam debeladas ou atenuadas pelos menos.

Dir-se-ia que “nova” mulher pleiteia os mesmos direitos que os homens e muitas delas já se engajam nas lutas políticas, ultrapassando o limitado interesse sexual da maioria das feministas, para lutar e morrer na clandestinidade, como foi o caso de Maria Augusta, desaparecida em 1973, entre outras jovens, concretizando um desejo de auto-afirmação.

As mais afoitas, já se transformam em líderes e algumas se denominam pioneiras, quando é certo que no Brasil a luta pela emancipação da mulher vem de muito longe, tem sua história. Data do final do século passado o grito feminino: Procriação consciente!

Uma das pioneiras de direito e de fato, que deu expressão ao feminismo no Brasil, responde pelo nome de Ercília Nogueira Cobra, autora do livro Virgindade Inútil e Anti-higiênica (novela libelística contra a sensualidade egoísta dos homens, pág 212) que só por si é uma declaração de guerra à virgindade e ao machismo, uma proclamação de liberdade sexual e dos direitos iguais ao uso do corpo.

Outra pioneira dos anos vinte, foi a professora e escritora anarquista Maria Lacerda de Moura. Mineira, passou parte de sua vida em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde faleceu em 1945.

Sua primeira obra data de 1918. Em 1919, já publicava seu terceiro livro, “Renovação”, e fazia ao abri-lo, a seguinte advertência: “Moças do meu país: se alguém vos disser que este livro não pode ser folheado por uma menina – não acrediteis.

É possível que o classifiquem de mil modos segundo o espírito conservador, tradicional e reacionário. O que é certo é que o escrevi para vós e nada há, aqui, indigno da donzela mais ingênua ou da mulher mais casta. O que há é a verdade e muita gente se empenha em no-lo esconder.”

Depois publicava sucessivamente: A fraternidade na escola; A mulher e a maçonaria; A mulher moderna e o seu papel na sociedade atual e na formação da civilização futura; e em 1924, A mulher é uma degenerada?, réplica ao cientista Miguel Bombarda. São 150 páginas admiráveis em defesa da mulher!

Entre a sua dúzia e meia de livros publicados e traduzidos ao castelhano, todos em defesa da liberdade e da mulher, destacam-se: Religião do amor e da beleza (1931); Amai e… não vos multipliqueis (1932); Han Hyner e o amor no plural (1933).

“Esquecida” pelas feministas modernas, certamente por ser uma anarquista individualista, a professora Maria Lacerda de Moura reclamava uma liberdade plena que via como um todo, e defendia: “E, um dia, todas as pessoas, sem distinção de raça, de casta, de cor, de sexo ou de nacionalidade, serão irmãs no auxílio mútuo e no respeito à dignidade da consciência livre – para mais alta evolução do tempo e para além do espaço…

“Só nesse dia, só no dia da festa da realização interior de cada ser humano, só no dia da consagração do culto à liberdade do semelhante (porque, hoje, todos sabem reivindicar a liberdade, mas deslizando por sobre a liberdade do que está mais próximo…) só no dia em que cada ser realizada, sentir e gozar a alegria no coração dos outros seres, na comunhão dos sonhos e do labor, só nesse dia saberemos cantar a Paz e a Liberdade, e, por sobre as ruínas bárbaras dos troféus do direito da força – plantaremos a bandeira universal do Direito Humano.” (1933).

Tal como a escritora-pioneira Maria Lacerda de Moura, há quem conteste o feminismo de alcance sexual com o argumento de que para além dessa conquista, é necessário pleitear um educação nova que proceda à demolição do reacionário que cada ser humano carrega dentro de si, até tornar as pessoas plenamente livres, irmãs emancipadas, capazes de construir uma sociedade igualitária. Então sim, todas seremos plenamente livres.

Jornal da Província – 1 a 15/02/1981

A “nova” mulher brasileira
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