Recentemente, conversei com uma amiga sobre a legalização do aborto para evitar mortes por esse tipo de prática sem assistência médica, clandestina. E uma entrega gratuita de contraceptivos para uma prevenção. Apesar de ser muito positiva, a mensagem é simplista demais para ser uma solução real.

O aborto é um problema tangível, mas pouco conhecido em qualquer lugar do mundo. Em nosso país, a população não lida com números de morte ou infertilidade após um aborto. É uma palavra que abrange muitos fatores e inúmeras maneiras de vivê-la.

Talvez um dos fatores mais influentes sejam “os grupos sociais”. Nos grupos baixos, o que pode levar uma mulher a pôr em risco sua saúde dessa maneira é o número de crianças já concebidas e que precisam ser confrontadas com o fato de que não podem e não querem ter mais crianças. Nos grupos mais favorecidos, o fenômeno é diferente: há uma influência grande das opiniões externas (vizinhos, família, colegas de trabalho e / sociais, etc.) sobre ser mãe solo ou se intervirá na sua carreira profissional. 

E, obviamente, o fator de gatilho é o mesmo em todos os casos; uma gravidez não planejada. Excluindo os casos de gravidez pós-estupro – que infelizmente existem – e as falhas dos métodos contraceptivos, podemos quase afirmar que gestações “de surpresa” são causadas por não usar ou não saber usar contraceptivos, tanto masculinos quanto preservativos, como uma variedade de métodos voltados para nossas companheiras.

Neste ponto, precisamos deixar claro, existem causas diferentes: ignorância e machismo para muitas pessoas; a ilusão de acreditar que “isso não acontecerá comigo!” … e mais uma vez o machismo para outra parte das pessoas!

Se você der métodos de controle de natalidade gratuitamente entre uma população ignorante, o resultado poderá ser extremamente assustador. Se uma mulher não entende como a pílula anticoncepcional funciona e esquecer de tomá-la regularmente e, em seguida, entender que deverá tomar todos os comprimidos da caixa no mesmo dia, não resolverá o problema. Distribuir contraceptivos gratuitos é INÚTIL se não haver conjuntamente uma educação sexual básica e a consciência para que todas percebam um fato simples e para muitas evidentes: o padrão de vida em geral é melhor quando cada uma tenha apenas o número de crianças que possam ser cuidadas. E o aborto não é a solução, é um planejamento e uma responsabilidade familiar, para todas as pessoas envolvidas.  E homens, em uma sociedade ainda sexista como essa deve participar tanto da decisão do aborto quanto trazer um ser novo a vida, com todas as suas consequências. Machismo interfere em todos estágios do fenômeno do aborto e/ou do nascimento de uma criança não planejada/indesejada. Desde a concepção, com a conhecida desculpa de que o gozo sexual não é o mesmo; quando o aborto é decidido, muitas mulheres passam pelo processo (médico e psicológico) sozinhas ou com pouco apoio, sem mencionar a pressão exercida pela parte masculina para concluir logo essa situação!

A quem só lave as mãos. E isso não é um fenômeno em uma determinado grupo social, é muito comum, em todas as situações sociais, das mais baixas até as mais altas. Nesses casos o que mais seja levado em conta sejam as crenças de cada pessoa ou apenas a criança.

Pensar que “isso não acontecerá comigo” é algo que todas nós sabemos, mais ou menos bem, mais ou menos próximo da gente. E acho que está muito relacionado ao acomodar. É mais fácil pensar e acreditar que algumas coisas só acontecem em romances e talvez para as pessoas vizinhas, do que assumir plenamente as consequências de suas ações; elas podem ter uma saída “fácil”, como o aborto. É mais cômodo pensar assim do que ir a uma pessoa ginecologista que prescreverá um método contraceptivo ideal ou orientá-la em abster-se de fazer sexo por não ter uma camisinha na mão.

Por fim, me pergunto: até que ponto o custo da pílula é apenas uma desculpa? Seria de todo modo mais difícil e mais caro realizar um aborto ou ser mãe…? E quanto as pessoas homens… por quanto tempo vamos encontrar homens que procriam sem consciência ou responsabilidade apenas porque “ter mais filhos é ser mais macho”? 

Independente de ser a favor ou contra ao aborto… isso nunca será uma experiência agradável, às vezes é muito perigosa e poderá ter consequências a longo prazo.

É possível controlar isso em nossas próprias vidas e não por cagação de regras de pessoas e grupos estranhos a nossa realidade. 

Existe apenas uma solução de fato para o problema do aborto e que passa pela conscientização pessoal de cada pessoa e que a leva a assumir total responsabilidade como dona das regras e de seu próprio corpo.

VALERIE PECQUET – [# 19, setembro-outubro de 2000]

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