MARÍA GALINDO – [# 40, noviembre-diciembre 2004]

[M.G., feminista e autônoma, é integrante do coletivo Mujeres Creando de La Paz, Bolívia. Este texto fez parte de sua intervenção “Arte y Género” no SIART]

Neste pequeno espaço que me reservaram, espaço que ocupo sabe lá pela sorte ou por meus velhos trabalhos, este tempo e espaço só me servem para dizer: NÃO! NÃO! 

Posso repetir uma 40 vezes cronometradas Não, meus Nãos são pedaços grandes e pequenos, cortantes como cacos, meus Nãos são pedaços de vidros quebrados. Pedaços de vidros divisores agora quebrados que antes protegiam o asséptico do contaminado, que protegiam o publico do privado e vice versa, protegiam o estético do éticom o limpo do sujo, protegiam  as senhoras e senhores de suas empregadas e pessoas jardineiras, protegiam o artístico do vulgar, ambos entre aspas.

Pedaços de vidros divisores agora quebrados que protegiam a de dentro da de fora. Eu mesma sou um pedaço explodido entre uma porta e uma rua e minha identidade não é mais que um pedaço de uma identidade mais complexa que une seus limites aos limites das pessoas indígenas, putas, velhas, loucas, lésbicas e outras, todas nossas moradoras das de fora.

Com essa brevíssima descrição da origem de meus Nãos, passo a enunciá-los: Não sou uma artista, sou aqui dentro entre vocês uma impostora e la fora uma arruaceira. Não sou artista, o ofício de artista é neste momento muito decente, muito bem visto e insuportavelmente inofensivo para o sistema, acima de tudo para uma mulher!

Não é o gênero um espaço de definição artística, é neste contexto um apelido forçado para aquilo que não pode ser arte seca, porque o que vem das mulheres em uma sociedade patriarcal não goza de status de universalidade. Confundimos o gênero como o que vem das mulheres ou que pode ser simplesmente dirigido as mulheres, colocamos o apelido de gênero para colocar este trabalho fora da preocupação e dos debates centrais da arte. Eu não aceito, nem preciso deste apelido para o nosso trabalho que nome próprio. Somos Mulheres Criando (Mujeres Creando) e nos instalamos no centro de todas as sensibilidades sociais, espaço este no qual somos ameaçadoramente felizes e criativas.

Não precisamos do reconhecimento de gênero, nos é tremendamente estreito e se honestamente há uma rachadura  que aumenta com a análise de gênero na arte, primeiro deveríamos reconhecer é que arte dos homens também tem um conteúdo de gênero e que no mais, nos seria divertido revelar este conteúdo. Enquanto este gênero seja “coisa de mulheres” entre aspas há uma hipocrisia e uma moral dupla que as Mulheres Criando não desejam decorar. Por outro lado se esta Mesa se chamou “Arte e Mulher” então poderemos entender que as outras mesas são de alguma forma dos homens e mais interessante ainda, resultaria muito evidente que outras pessoas sociais e produtoras de arte das quais há muitas mulheres estão de fora deste espaço de cultura oficial.

Não entramos na disputa de definições de arte cujo o sentido é o controle estético e a legitimação e deslegitimação da ação criativa. Por isso não falamos de arte e sim de ações criativas.

Não denuncio as galerias de arte por serem oficiais. Não as denuncio por serem excludentes. Não as denuncio por serem fiéis a todas e cada uma das formas de discriminação social presentes em nossa sociedade. Não as denuncio por funcionar repetitivamente em círculos fechados que terminam onde começam. Não as denuncio por separar a estética da ética. Não as denuncio por serem espaços perfumados e assépticos. Não denuncio seu sistema de administração de reputações e recomendações. Não as denuncio por serem imitadoras recicladoras das modas que vem do hemisfério norte. Não as denuncio por vender quadros e outros objetos. Denuncio as galerias por serem chatas!

Não são Ligia, Érika, Valia ou Teresa minhas companheiras, tão pouco são meus opostos. Nem eu, nem minhas irmãs de Mulheres Criando nunca desenvolvemos nossas ações criativas em base a oposições, somos autoafirmativas e não opositoras de plantão. Nossa criatividade não é instrumento de desqualificação, é instrumento de luta para desestrutura o sistema. Com um braço abraçamos a utopia e com o outro a dor de existir em uma sociedade semeada de injustiças.

Por tudo isso para nós: Não é a competitividade um valor criativo; não é o individualismo um valor criativo; não é o egocentrismo um valor criativo; não é a estética pela estética uma busca renovadora; não se marca nossa busca criativa na “genialidade”, “excentricidade”, “exótico” ou “retórica”. Por isso parimos da coletividade e não do individualismo. Por isso escolhemos parir e existir na rua como cenário social privilegiado, a rua como cenário de sentido, a rua como cenário ético. A rua como cenário vital de relação criativa e subversiva.

Não reside a relação entre ética e estética no mal chamado mensagem social de uma obra de arte, a relação entre ética e estética envolve todo o processo criativo, a forma e o conteúdo, o como e o quando, o para que e o porque, o que sim e o que não, e todas as perguntas que este processo fecha e todas as perguntas que abre. Nossas ações criativas tem cor de pele, gênero, grupo social, opção sexual e posicionamento; a de vocês e daqueles que não desejam reconhecê-lo, também. Não há uma estética além do bem e do mal, não há uma estética além da narrativa temporal e das relações sociais em que encontra.

Para terminar um último Não – Não agradeço – por este espaço! Não desejo ser legitimada nem fazer parte da legalidade. Aqui me sinto com no aniversário da “Bela Adormecida” na qual os reis convidam apenas as fadas madrinhas, ou melhor, as fadas etiquetadas como bondosas, por isso quero convidar as fadas etiquetadas como bondosas e que não se consideram a si mesmas como fadas bondosas e a todas as fadas malvadas para unir em um espaço coletivo que restitua uma relação ética entre nós, mulheres, nossas criatividades e as relações sociais que os envolvem.

NÃO
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