(parte do livro Los Anarquistas Russos de Paul Avrich)
O despotismo tem ultrapassado dos palácios dos reis para os círculos dos comitês. Não são as vestes reais, nem o cetro, nem a coroa que faz uma monarquia ser odiada, mas a ambição e a tirania. Em meu país não se passou mais do que uma troca de figurinos. Jean Varlet, Explosión, 1793.
Durante séculos, a Ucrânia tem sido o paraíso para toda sorte de fuga de servas rebeldes, bandoleiras e outras fugitivas da justiça czarista e da aristocracia privilegiada. Esta tradição não terminou com o fim da monarquia. Em 1918, quando o novo regime bolchevique começou a suprimir ativamente a todos aquele que se opunham, as pessoas anarquistas de Petrogrado e Moscou voltaram a se agrupar nas “terras selvagens” do sul, buscando refugio em uma região que quinze anos antes havia sido o berço de seu movimento.
Ao chegarem na Ucrânia, as pessoas refugiadas do norte, se contactavam, sem demora, com a grande quantidade de suas companheiras anarquistas que haviam saído da prisão e do exílio desde a Revolução de Fevereiro. Carcóvia, onde já haviam tentado sem exito uma unificação do movimento em 1917, voltou a ser a base de um novo impulso de unificação dos dispersos grupos anarquistas, com o fim de se converter em uma força revolucionária coerente. O resultado desse novo impulso foi o Nabat (tambor de alerta), ou “Confederação das Organizações Anarquistas”, que no final de 1918, havia estabelecido sua coordenação geral na Carcóvia e seções promissoras em Kiev, Odessa, Ekaterinoslav(Dnipro) e outras importantes cidades da Ucrânia. A Confederação apoiou a constituição da União dos Ateus, e em seguida se lançou a formar um amplo movimento juvenil por todo o sul da região.
Volin, antigo diretor do periódico sindicalista Golos Trudá, fui um dos guias teóricos da nova agrupação. Para ele, o Nabat era o corpo embrionário do que denominava “anarquismo único” (edinyi anarjizm), isto é, uma só organização que abrangesse anarco-comunistas, anarcossindicalistas e individualistas anarquistas, ao mesmo tempo que garantia um grau importante de autonomia para todos os grupos e pessoas participantes. Mas o esforços de Volin para agrupar as dispersas vertentes do anarquismo terminaram bruscamente quando, por um curioso paradoxo, a maioria de suas pessoas companheiras anarco sindicais se negaram em se unir ao Nabat. Para essas, o “anarquismo único” foi considerado uma fórmula ineficaz e equivocada de unificação, e temiam que o anarco-comunistas se convertessem no setor dominante da nova confederação.
Além de Volin, as referências mais destacadas do Nabat eram as veteranas anarquistas Arón Barón e Piotr Arshinov. A trajetória de Barón como anarquista se iniciava na Revolução de 1905, quando foi deportada para Sibéria por sua participação no levantamento. Sem constrangimento, conseguiu escapar para os Estados Unidos da América, passando os primeiros anos da Primeira Guerra Mundial em Chicago, onde conjuntamente com sua esposa Fanya foram presas e maltratadas pela polícia por fomentarem manifestações contra a guerra. Ao voltarem para Rússia em 1917, Barón se converteu rapidamente em uma conhecida escritora e conferencista na área da Ucrânia, sendo reconhecido pelo sindicato de pessoas padeiras como seu representante no soviete de sua cidade. Após a insurreição bolchevique (golpe), Fanya e Arón se mudam para Carcóvia e ajudaram a impulsionar o movimento Nabat. Além de seu posto no Secretariado do Confederação, Barón trabalhou com Volin como codiretor do jornal Nabat.
Piotr Andréevich Arshinov foi um bolchevique antes de passar para as fileiras anarquistas em 1906. Como metalúrgico no subúrbio industrial de Ekaterinoslav, se dedicou em fazer propaganda anarquista onde trabalhava e formou uma célula anarquista entre suas pessoas companheiras de trabalho. Além de suas atividades como agitador, Arshinov participou também de ações terroristas que o levaram a prisão e encarceramento. Conseguiu escapar, para voltar muito rápido para Rússia, onde foi novamente detido por introduzir literatura anarquista pela fronteira austríaca. Durante sete anos definhou em uma prisão de Moscou, até a anistia decretada pelo Governo Provisório após Revolução de Fevereiro. Depois de sua participação ativa na Federação de Anarquistas de Moscou, Arshinov voltou para sua Ekaterinoslav natal, entrando no Comitê de Anarquistas da Bacia do Donetsk (como diretor do jornal Golos Anarjista), e dando conferencias as pessoas mineiras e trabalhadoras da área, como fizera dez anos antes.
Entre as pessoas participantes mais jovens da Confederação Nabat, as que se destacavam eram Senia Fleshin, Mark Mráchnyi (Klavanskii) e Grigorii Gorélik (chamado de “Anatolii” por suas companheiras). Fleshin, nascido em Kiev em 1894, trabalhou nos escritórios da Mothe Earth, de Emma Goldman, na cidade de Nova Iorque durante a guerra, voltou para Rússia em 1917 e se estabeleceu na Carcóvia. Mráchnyi havia sido membro ativo do movimento estudantil na Carcóvia. Pouco depois de terminar seus estudos, aderiu ao Nabat, responsabilizando-se de estabelecer uma imprensa clandestina na Sibéria sobre os auspícios da Confederação, missão que foi desenvolvida com aparente exito. A terceira jovem citada, Gorélik, voltou para Rússia em 1917 depois de seu exílio estadunidense, atuando como secretario do Comitê de Anarquistas da Bacia do Donetsk antes de aderir ao Nabat.
No bloco de coordenadoras do Nabat também se encontrava o Nikolai Dolenko, uma camponesa autodidata da província de Poltava. Sobre o nome de M. Chekerés escreveu numerosos artigos para os jornais anarquistas mais importantes durante os anos da guerra, incluindo o Golos Trudá de Nova Iorque, e publicação, expressivamente antimilitarista, de Genebra Put k Svobode, dirigida por Roschin e Orgiani. Mais recentemente, como verificado, trabalhou com Maksímov e Iarchuk como uma das diretoras do Vólnyi Golos Trudá em Moscou. Finalmente encontramos Olga Taratuta, a terrorista de Ekaterinoslav, provavelmente a mais famosa das bezmotivniki envolvidas no atentado do Café Liebman de Odessa em 1905. Liberada da prisão de Kiev em março de 1917, cansada e vencida, próxima de fazer 50 anos, permaneceu a margem de suas companheiras e se retirou para Kiev onde trabalhou na Cruz Vermelha dali. Mas as implacáveis perseguições da Tcheka contra as pessoas anarquistas fez despertar sua ira em 1920, voltando ao campo de batalha e unindo-se a Cruz Negra Anarquista, fundada por Apollón Karelin para ajudar as pessoas anarquistas presas ou exiladas pelos comunistas.
A Confederação Nabat celebrou sua primeiro congresso em novembro de 1918, na cidade de Kursk. Ao contrário da Federação Pan-Russa de Anarquistas de Moscou, o grupo Nabat se opunha ao conceito bolchevique da “ditadura do proletariado”, ou a qualquer outra “etapa transitória” que pudesse preceder a sociedade sem estado. A Revolução Russa, foi proclamado no congresso, não era mais que a “primeira onda” da revolução mundial, que estava destinada a prolongar-se até substituir a ordem capitalista por uma federação livre de comunas urbanas e rurais. Sem constrangimento, ainda que se mostrassem totalmente criticas a ditadura soviética, as pessoas delegadas consideravam que os “brancos” representavam um perigo maior, e decidiram opor a estes organizando seus próprios destacamentos guerrilheiros, que atuariam fora da estrutura oficial do Exército Vermelho. Na esfera econômica, a Confederação apoiava a participação anarquista nos sovietes que não estivessem sobre a influência dos partidos políticos, nos comitês de fábrica não dominados pelos sindicatos (os sindicatos se tornaram “organizações trabalhadoras completamente adormecidas”), e os comitês de camponeses pobres. Por fim, a Confederação voltou a insistir na necessidade de criar federações estáveis de grupos anarquistas em níveis de distrito, cidade e nação, e na necessidade de desenvolver um grau de solidariedade muito mais intenso no seio do movimento.
Os mesmos temas dominaram o segundo congresso de Nabat, que teve lugar em Elizavetgrado cinco meses depois, em abril de 1919. Escrevendo no jornal da Confederação pouco depois da abertura do Congresso, Senia Fleshin dava uma ideia do tom do encontro quando acusava as pessoas comunistas de levantar “uma muralha da China entre elas”. O Congresso, fazendo eco dos protesto de Fleshin, deplorava o fato de que num tempo haviam comitês de trabalhadoras livres e espontâneos da Rússia revolucionária, estavam agora absorvidos pelo sindicatos, “meros aparelhos oficiais, político-administrativo e mesmo policial das novas pessoas chefes-exploradoras representadas no Estado”.
Também os sovietes se converteram em instrumentos da autoridade estatal, declaravam as delegadas, que fizeram um chamamento em favor de sua substituição por comitês não políticos de todas os grupos – comitês de fábrica e camponeses, comitês de bairro, comitês culturais e educativos. As pessoas delegadas abriram fogo contra suas próprias companheiras, condenando o “anarco-sovietismo” e o “pan-anarquismo” dos irmãos Gordin. Mais ainda, atacavam o “sectarismo faccional” dos anarcossindicalistas (que haviam se negado a aderir a Confederação) e se negaram a enviar uma delegação ao terceiro Congresso Anarco-sindicalista de Toda a Rússia. Mas estes ataques contra os demais grupos anarquistas pouco contribuíram para atingir o principal objetivo do Nabat, o de conseguir a unidade dentro do movimento.
Sem constrangimento, a Confederação Nabat se encontrava em comum acordo com o resto das pessoas anarquistas em um ponto fundamental: que a tarefa mais urgente do movimento anarquista era defender a revolução contra a investida Branca, mesmo que isso significasse uma aliança pontual com as pessoas comunistas. Porém, o mesmo que havia ocorrido um ano antes no Congresso de Kursk, o Congresso de Elizavetgrado decidiu boicotar o Exército Vermelho, denunciando-o como uma organização autoritária dirigida “de cima para baixo”, dentro das tradições tipicas militares. Nabat depositava suas esperanças em um “exército guerrilheiro”, organizado espontaneamente entre o povo revolucionário. E as coordenadoras do Congresso entendiam como núcleo fundamental desse “exército guerrilheiro” os bandos de guerrilheiras que operavam no interior da Ucrânia sobre a orientação de Nestor Makhno.