Sempre pensei que o corpo humano, por sua própria natureza, é receptivo a todas as gamas de estímulos sexuais: nem mesmo bissexual, mas polissexual. O próprio Fourier não hesitou em sugerir, em seu O Novo mundo amoroso, que se deveria utilizar o homossexualismo, tanto quanto outras formas de amor, a fim de criar a harmonia social na vida coletiva que propunha aos homens e mulheres. Da mesma forma, segundo Stirner, todos os movimentos anarquistas, de caráter individualista, também defenderam o direito à expressão homoerótica, no mesmo pé de igualdade com as outras formas de relações sexuais.Que fique bem claro que isso não se devia a uma preferência particular. O que eles almejam era proporcionar a todos a possibilidade de serem eles mesmos no conjunto de suas dimensões (social, política e sexual).
Nos primeiros anos da revolução russa, a sociedade que então se esboçava fundamentava-­se muito mais em um mesmo tipo de modelo libertário, no qual, em meio a um entusiasmo coletivo, homens e mulheres participavam da imensa tarefa da construção socialista, sem serem reprimidos em sua sexualidade. Essa comunidade baseava­-se em trocas ideológicas tanto quanto em trocas sentimentais ou eróticas. O homossexualismo integrava­se a ela (ver o artigo de Reich: “ Restabelecimento da lei contra homossexualismo na União Soviética”).
Paradoxalmente essa sociedade socialista assumiu em seguida uma feição autoritária, a forma de uma ditadura que, continuando a construir o que denominava “socialismo”, restabeleceu aos poucos os valores pequenos­ burgueses (estrutura institucionalizada do casal, vida familiar, proibição do homossexualismo e até mesmo intolerância em relação a condutas heterossexuais tais como o donjuanismo).
Nem por isso é menos verdadeiro para mim que somente uma sociedade coletivista de caráter libertário pode dar lugar aos homossexuais, no seio de uma fraternidade reencontrada. No fundo o gênio coletivo não é nada mais do que a soma das energias de cada um dos homens que compõem. Se matamos o individual no homem, poderemos construir um futuro melhor? Um exemplo: maio de 1968, revolução de inspiração autenticamente libertária, quando os estudantes não hesitaram em conceder foros de cidadania ao homossexualismo.
Para mim o homossexual deve engajar­se na Revolução, a fim de realizar­se plenamente. Somente uma autêntica revolução social, de tipo socialismo libertário, pode garantir­-lhe o direito à existência. Além do mais, ele ama a virilidade e nada é mais viril do que uma revolução, ao passo que o fascismo exalta uma falsa virilidade e pulula de falsos supermachos.
Daniel Guerin

Homoafetividade e revolução
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