Por que o Ateísmo e o Anarquismo Combinam Bem

Por The Polar Blast

Ateísmo e anarquismo são posições distintas, mas suas trajetórias intelectuais e políticas se cruzam há muito tempo. O ateísmo, definido como a rejeição da crença em deuses ou na autoridade divina, representa a recusa em se submeter a poderes transcendentes. O anarquismo, definido como a oposição à hierarquia injustificada e a defesa de uma organização social sem Estado e não hierárquica, representa a recusa em se submeter a governantes terrenos. Ambos desafiam a autoridade, a obediência e a dominação, embora em diferentes níveis.

Ateísmo e anarquismo combinam naturalmente porque compartilham uma crítica à autoridade externa, uma ênfase na autonomia humana e um legado histórico de resistência conjunta à dominação. Além disso, sua compatibilidade reside em sua orientação ética: ambos buscam fundamentar a moralidade na solidariedade humana e na ajuda mútua, em vez de no comando divino ou na lei estatal. Seus paralelos conceituais, emaranhados históricos e potenciais tensões demonstram por que o ateísmo fortalece a crítica anarquista à hierarquia e por que o anarquismo oferece ao ateísmo uma expressão política que vai além da mera descrença.

Autoridade e a Crítica da Hierarquia

No cerne do anarquismo está a rejeição da autoridade ilegítima. Para pensadores como Bakunin, o Estado não é um árbitro neutro, mas uma instituição que consolida a dominação. Da mesma forma, o ateísmo pode ser entendido como a rejeição da autoridade suprema reivindicada pelos deuses e seus representantes clericais. Em ambos os casos, a crítica visa a lógica da hierarquia e a suposição de que a obediência a um poder externo é natural e necessária.

A autoridade religiosa, particularmente dentro das tradições monoteístas, espelha a soberania política. A linguagem da religião – “Senhor”, “Rei”, “Pai” – mapeia diretamente as estruturas de governo estatal. Como argumentou Emma Goldman, a religião santifica a obediência e habitua os indivíduos à submissão, apoiando assim hierarquias políticas e econômicas. O ateísmo interrompe esse processo ao rejeitar a premissa do governo divino, enquanto o anarquismo estende o mesmo princípio às instituições terrenas. Seu alinhamento pode, portanto, ser visto como uma dupla recusa da autoridade teocrática e estatista.

Autonomia e Autodeterminação Humana

Uma segunda dimensão de compatibilidade reside na ênfase que ambas as tradições atribuem à autonomia. Para os anarquistas, a liberdade não é a ausência de toda ordem, mas a capacidade de participar da construção das próprias condições de vida sem subordinação ao poder coercitivo. Para os ateus, a autonomia implica a rejeição da moralidade ditada por um comando divino.

Estruturas religiosas frequentemente situam a moralidade em decretos divinos, exigindo obediência independentemente da razão ou empatia humanas. Em contraste, o ateísmo exige que a ética seja construída por meio da deliberação humana, da solidariedade e da experiência prática. O anarquismo espelha essa postura ao rejeitar leis impostas de cima, enfatizando, em vez disso, a autodeterminação coletiva e a associação voluntária. Ambas as posições, portanto, convergem para uma visão de vida moral enraizada na autonomia e não na obediência.

Tradições Históricas de Resistência

O registro histórico corrobora ainda mais a afirmação de que ateísmo e anarquismo se reforçam mutuamente. As críticas iluministas à religião, personificadas por figuras como Diderot e Voltaire, frequentemente coincidiam com os primeiros desafios ao sistema político. Posteriormente, pensadores anarquistas vincularam explicitamente o ateísmo à sua crítica à autoridade.

O ditado de Bakunin, “Se Deus existisse, seria necessário aboli-Lo”, sintetiza a suspeita anarquista de que a crença em Deus legitima a desigualdade ao naturalizar a hierarquia. A obra de Emma Goldman identificou consistentemente a religião, juntamente com o Estado e o capitalismo, como um dos “três grandes inimigos” da liberdade. Movimentos históricos também confirmam isso – a Comuna de Paris de 1871 expropriou propriedades da Igreja e promoveu a educação laica; anarquistas espanhóis da década de 1930 se opuseram tanto ao fascismo quanto à Igreja Católica, reconhecendo o reforço mútuo da hierarquia entre eles.

Embora existam correntes de anarquismo religioso – o cristianismo tolstoiano, a teologia da libertação ou o movimento operário católico – estas têm sido a exceção e não a regra. A tradição anarquista dominante tem consistentemente visto o ateísmo como um aliado natural no desmantelamento de estruturas hierárquicas.

Ética sem Comando Divino

Críticos frequentemente argumentam que o ateísmo enfraquece a moralidade ao privá-la de fundamento divino. No entanto, a teoria anarquista fornece uma estrutura robusta para uma ética sem deuses. Em vez de um comando divino, os anarquistas fundamentam a moralidade na solidariedade, na reciprocidade e na ajuda mútua.

Para Kropotkin, a cooperação não é um ideal moral imposto de cima, mas um princípio enraizado na sobrevivência evolutiva. Os seres humanos prosperam não pela obediência a governantes ou deuses, mas pelo cuidado coletivo. A ética anarquista, portanto, destaca práticas de liberdade e interdependência, em contraste com estruturas autoritárias que confundem moralidade com obediência.

O ateísmo fortalece essa estrutura ética ao rejeitar a justificativa sobrenatural para a violência, a exclusão ou a desigualdade. Sem a autoridade divina para santificá-las, práticas como guerras santas, inquisições e perseguições revelam-se como projetos políticos disfarçados de linguagem teológica. Um ateísmo anarquista, portanto, proporciona uma ética humanista e emancipatória.

Sem Deuses, Sem Mestres

Quando combinados, ateísmo e anarquismo articulam uma visão radical de transformação social. O ateísmo sem anarquismo corre o risco de permanecer uma postura intelectual limitada – a descrença em deuses não se traduz necessariamente em oposição às hierarquias terrenas. Por outro lado, o anarquismo sem ateísmo corre o risco de inconsistência: rejeita governantes terrenos enquanto venera a autoridade divina. Em conjunto, porém, eles formam uma visão de mundo coerente que se opõe à dominação em todas as suas formas.

O slogan “Sem deuses, sem mestres” resume essa dupla recusa. Afirma também a capacidade dos seres humanos de criar significado, valores e organização social sem recorrer à transcendência. A libertação, segundo essa visão, não pode ser adiada para uma vida após a morte ou confiada à providência divina; deve ser alcançada aqui e agora, por meio da luta coletiva.

Abordando o Anarquismo Religioso

Para reconhecer a complexidade, é preciso notar que alguns anarquistas se inspiraram em tradições religiosas. Anarquistas cristãos, como Tolstói, enfatizaram a rejeição de Jesus ao poder imperial, e teólogos da libertação conectaram os princípios anarquistas com os apelos bíblicos por justiça. Essas perspectivas demonstram que anarquismo e religião nem sempre são irreconciliáveis.

No entanto, elas permanecem problemáticas. Mesmo concepções não autoritárias de Deus introduzem um padrão externo ao qual os crentes devem se conformar, reintroduzindo a hierarquia no nível metafísico. Além disso, as instituições religiosas têm funcionado predominantemente como aliadas do Estado e do capital, em vez de fontes consistentes de resistência. Por essa razão, o ateísmo oferece uma base mais clara e consistente para o ethos antiautoritário do anarquismo.


Ateísmo e anarquismo combinam bem porque ambos desafiam estruturas de autoridade, enfatizam a autonomia e buscam fundamentar a ética na solidariedade humana em vez do comando divino. Historicamente, os anarquistas reconheceram a religião como um pilar central da hierarquia e defenderam o ateísmo como parte de uma política emancipatória mais ampla. Filosoficamente, o ateísmo complementa o anarquismo ao eliminar justificativas metafísicas para a obediência; o anarquismo, por sua vez, fornece ao ateísmo uma estrutura política para a concretização da liberdade na prática.

A compatibilidade entre ambos pode ser resumida no slogan “Sem deuses, sem mestres”. Isso não é simplesmente uma rejeição, mas uma afirmação positiva: os seres humanos podem e devem criar um mundo de liberdade, igualdade e ajuda mútua sem recorrer a governantes divinos ou políticos. Ao alinhar ateísmo e anarquismo, encontramos não apenas uma crítica à dominação, mas também uma visão de libertação baseada na autonomia humana e na autodeterminação coletiva.

Título: Sem Deuses, Sem Mestres
Subtítulo: Por que ateísmo e anarquismo combinam
Autor: The Polar Blast
Tópicos: Ateísmo , ética , hierarquia , religião
Data: 30 de agosto de 2025
Fonte: https://thepolarblast.wordpress.com/2025/08/30/no-gods-no-masters-why-atheism-and-anarchism-are-a-good-fit/

Sem Deuses, Sem Mestres:
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