Por Yavor Tarinski

Uma entrevista com o escritor político Yavor Tarinski para o jornal grego Empros sobre as visões para os Bálcãs unidos, as comunas da história e a possibilidade da democracia direta hoje. A versão grega foi publicada na edição de 21/05/25 do jornal. As perguntas foram feitas por Pavlos Maragkos.

Pavlos Maragkos: Você é um autor que escreveu extensivamente sobre as visões para os Bálcãs unificados. Qual foi a necessidade que o levou a pesquisar essas visões?

Yavor Tarinski: Meu envolvimento com a visão de um Bálcãs unido nasceu de uma necessidade profundamente pessoal: conseguir enxergar nossa região mais ampla livre dos filtros distorcidos do nacionalismo e do patriotismo. Repensar os Bálcãs não como um campo de antagonismo e conflito, mas como um lugar potencial de solidariedade e coexistência democrática entre os povos.

Foi aí que minha busca começou. Comecei a coletar histórias, eventos, testemunhos de pessoas e experiências de movimentos que, já no século XIX, tentavam vislumbrar e construir uma realidade alternativa. Meu interesse não era apenas destacar esses esforços, mas também compreender as razões pelas quais eles, em última análise, não conseguiram prevalecer – embora, em muitos casos, existissem as condições para algo diferente.

PM: Essas histórias foram suprimidas pela historiografia dominante e, como você mencionou, havia ideias revolucionárias de federalismo e autogestão. No entanto, o resultado parece indicar que esses esforços não tiveram sucesso e que ideias nacionalistas se consolidaram. Por que esse modelo alternativo de governança não prevaleceu?

YT: As razões são muitas e inter-relacionadas. Um fator decisivo foi o papel das grandes potências da época. Nenhuma delas – nem o Império Russo, nem a Inglaterra, nem a França – queria uma região balcânica unida, baseada na cooperação entre os povos, pois isso não serviria aos seus interesses geopolíticos e econômicos. Pelo contrário, fizeram tudo o que podiam para impedir tal perspectiva.

Ao mesmo tempo, as ideias nacionalistas começaram a permear as classes burguesas em todos os países dos Balcãs. Isso atuou como um obstáculo à cooperação entre os movimentos de libertação de diferentes povos, já que cada movimento nacional buscava dominação ou exclusividade em vez de cooperação. O resultado era frequentemente conflito: um país atrapalhava o outro, chegando até mesmo a entrar em guerra.

Esse clima de agravamento e divisão tornou extremamente difícil a implementação do projeto alternativo baseado na coexistência democrática e na cooperação igualitária. Os esforços em direção às comunas e aos modelos federais de autogestão foram atacados em diversos níveis – ideológico, político e militar. Assim, o modelo nacionalista acabou prevalecendo, não necessariamente por ser o mais poderoso ideologicamente, mas por ser ativamente apoiado por interesses estatais e supraestatais.

PM: Você fala sobre “Balcãs Unidos”. No entanto, há muitos anos somos levados na direção do nacionalismo nos Bálcãs. Como você comenta esse desenvolvimento?

YT: Os Estados-nação, por sua própria natureza, impõem uma lógica homogeneizadora: uma nação, uma bandeira, uma língua, uma religião. Essa lógica trouxe enorme sofrimento aos povos da região – derramamento de sangue, conflitos violentos, limpeza étnica, opressão. Em um contexto tão global e histórico, talvez fosse de se esperar que não houvesse “espaço” para um modelo diferente de governança.

A ideia de uma federação balcânica, como idealizada por alguns movimentos radicais, era profundamente revolucionária. Estava em oposição direta aos interesses e instituições dominantes da época, o que levou esses esforços a uma batalha desigual – quase como uma disputa entre Davi e Golias.

As pessoas que promoveram essas ideias muitas vezes se viram sozinhas e sob ataque. Mesmo assim, realizaram feitos importantes, que deixaram um legado que não considero uma derrota. Pelo contrário, vejo isso como sementes deixadas na terra – sementes que ainda podem nos inspirar hoje, mostrando que é possível pensar e construir alternativas.

Infelizmente, ainda hoje sofremos de um provincianismo peculiar: buscamos constantemente inspiração nas grandes revoluções do Ocidente e, muitas vezes, esquecemos de buscar nossos próprios momentos revolucionários. Momentos que se desenrolaram bem ao nosso lado, a uma curta distância dos exemplos ocidentais, e que têm tanto – se não mais – a nos ensinar.

PM: Qual história mais lhe marcou durante a pesquisa?

YT: Uma das histórias interessantes é a de Strandzha, que também diz respeito à região mais ampla da Macedônia Oriental e da Trácia.

Em 1903, eclodiu a Revolta de Ilinden-Preobrazhenie – uma revolta que, embora bem conhecida em toda a região dos Balcãs, é frequentemente apresentada sob um prisma distorcido. Não foi uma tentativa nacionalista ou imperialista, mas uma luta social e de libertação.

Foi no contexto dessa revolta que toda a região de Adrianópolis se revoltou. Na cordilheira de Strandzha, na atual fronteira entre a Bulgária e a Turquia, um grupo guerrilheiro liderado pelo anaracho-comunista Mikhail Gerdzhikov estava ativo. Esse grupo conseguiu libertar várias cidades e vilas das forças otomanas e criou o que ficou conhecido na história como a Comuna de Strandzha.

Lá, reintroduziram formas de comunalismo, aboliram o dinheiro, criaram instituições locais de autogoverno e, o mais impressionante, os próprios rebeldes se recusaram a assumir a administração. Consideravam que essa responsabilidade cabia às populações locais, a quem respeitavam integralmente.

Uma das primeiras coisas que fizeram foi redigir um texto em grego, dirigido aos habitantes de língua grega. Nesse texto, deixaram claro que não pretendiam estabelecer um regime búlgaro, mas que lutavam pelos direitos humanos, pela liberdade e pela igualdade para todos os povos. Sua luta não era étnica, mas profundamente humanitária e social.

Como era de se esperar, essa ação radical foi ferozmente contestada pelo Império Otomano. Em menos de um mês, o projeto foi destruído. No entanto, ficou registrado na história como um genuíno esforço popular – um exemplo de auto-organização popular e respeito por todas as populações locais, independentemente de etnia.

PM: O modelo organizacional que você propõe prevê procedimentos de democracia direta. Como você vê a democracia direta hoje? Ela pode ser implementada ou é apenas uma utopia?

YT: Em meus livros, frequentemente apresento exemplos que mostram como a democracia direta não é apenas um ideal teórico. Há movimentos ao redor do mundo, como os zapatistas no México ou os curdos em Rojava, que estão tentando implementar sistemas de democracia direta hoje, em circunstâncias muito difíceis.

Pessoalmente, não considero a democracia direta uma utopia. O problema é que frequentemente a abordamos através da estrutura limitada do Estado-nação. E é precisamente aí que se cria a ilusão de que ela é inatingível. Mas se conseguirmos nos libertar dessa estrutura, poderemos enxergar com mais clareza as possibilidades que existem.

Democracia direta, na minha opinião, significa romper com os centros de poder centralizados – como os parlamentos nacionais – e aproximar a tomada de decisões dos cidadãos. Isso significa deslocar o centro de gravidade da vida política do Estado central para os bairros, comunidades e municípios. As pessoas devem poder se reunir em um lugar comum e decidir coletivamente sobre as questões que lhes dizem respeito – de baixo para cima.

Não estamos falando de um modelo mágico que será imposto da noite para o dia, mas de um processo gradual de empoderamento de comunidades locais e formas coletivas de organização que antagonizarão o sistema hierárquico dominante. E esse processo já está em andamento em várias partes do mundo.

PM: “Autonomia”, segundo Cornelius Castoriadis, era definida como a capacidade do sujeito social de se autodeterminar conscientemente. Quão viável é essa autodeterminação em uma sociedade onde as identidades são frequentemente impostas sem escolha individual?

YT: De fato, essa autodeterminação é muito difícil em sociedades onde identidades – étnicas, de gênero, religiosas – são projetadas e frequentemente impostas sem a participação consciente das próprias pessoas. Vivemos em um ambiente que reproduz significados e normas pré-fabricados, desde muito cedo, sem deixar muito espaço para questioná-los ou desafiá-los.

Portanto, os desafios da autonomia passam por outra questão fundamental: a educação – não no sentido estrito da educação formal, mas como um cultivo abrangente da capacidade humana de pensar e agir conscientemente na esfera pública. Uma pedagogia que fomente a participação coletiva, a deliberação democrática e a imaginação criativa. E essa educação vai além da sala de aula, inserindo-se na trama da vida cotidiana.

Mas isso não acontece por si só, nem de cima para baixo. É um processo de longo prazo que deve ser empreendido por movimentos sociais, coletivos e comunidades. Criar espaços públicos vivos – físicos e conceituais – onde essa educação e consciência do coletivo e do público possam ser cultivadas. Não creio que haja outra maneira. Se queremos autonomia, temos que construí-la ativamente.

PM: Qual você considera ser o maior desafio no esforço de redefinir o papel do cidadão em nosso tempo?

YT: O maior desafio é superar a versão atual e distorcida do cidadão – o que, na minha opinião, é uma “caricatura” do verdadeiro significado do conceito. Hoje, um cidadão é simplesmente alguém que possui os documentos necessários para residir legalmente em um lugar ou que é chamado a participar da vida política uma vez a cada quatro anos por meio do seu voto. Tal percepção é propensa à xenofobia e à servidão voluntária.

Mas um verdadeiro cidadão não tem nada a ver com a percepção dominante: em vez disso, a verdadeira cidadania baseia-se na participação apaixonada nos assuntos públicos, na responsabilidade pela própria cidade, comunidade e seres humanos. Um cidadão genuíno é alguém que assume a responsabilidade pelo que acontece ao seu redor, que não espera por soluções “vindas de cima”, mas que participa ativamente das decisões.

O maior desafio, portanto, é restaurar o conceito do cidadão como sujeito ativo e participativo. Isso requer a quebra dos muros que separam a vida cotidiana dos espaços de tomada de decisão. Reconectar a política com a vida cotidiana. A política não pode ser algo distante, tecnocrático ou elitista – ela precisa voltar a ser um assunto de todos.

Título: Se queremos autonomia, devemos construí-la ativamente
Autor: Yavor Tarinski
Tópicos: autonomia , Balcãs , entrevista
Data: 10 de junho de 2025
Fonte: https://towardsautonomyblog.wordpress.com/2025/06/10/y-tarinski-if-we-want-autonomy-we-must-actively-construct-it/

Se queremos autonomia, devemos construí-la ativamente
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