A política administrativa brasileira, quando observada a partir da crítica social (sem maquiagens ideológicas) revela-se menos como um instrumento neutro de organização coletiva e mais como um mecanismo histórico de controle, exclusão e reprodução das desigualdades que marcam a formação do Brasil. Desde o período colonial, passando pelo Império, pela República oligárquica, pela ditadura e pela democracia contemporânea, o Estado brasileiro sempre funcionou prioritariamente para administrar privilégios, conter conflitos sociais e disciplinar as camadas populares. A administração pública moderna apenas sofisticou esse papel, revestindo-o de legalidade, tecnicismo e linguagem institucional.

No Brasil, a burocracia estatal não se apresenta como garantia de direitos universais, mas como um filtro social. Para os setores mais pobres da população, o Estado aparece sobretudo na forma de exigências, controles e punições: documentos que não possuem, filas intermináveis, cadastros excludentes, abordagens policiais truculentas, fiscalização seletiva e violência institucional. Já para as elites econômicas e políticas, o Estado é acessível, flexível e eficiente, operando por meio de isenções fiscais, favorecimentos administrativos, lobby e captura das instituições como suas extensões operacionais. A política administrativa brasileira, portanto, não administra a sociedade de forma igualitária; ela administra a desigualdade, tornando-a funcional e legal.

A centralização administrativa, frequentemente apresentada como necessária para garantir eficiência e ordem, na prática distância as decisões da vida concreta das pessoas. Ministérios e secretarias decidem políticas públicas para realidades que desconhecem, enquanto comunidades periféricas, indígenas, quilombolas e trabalhadores urbanos têm pouca ou nenhuma influência real sobre decisões que afetam diretamente sua sobrevivência. A participação popular, quando existe, é controlada, limitada e consultiva, nunca decisória. O voto, apresentado como símbolo máximo da democracia, funciona como um ato episódico de legitimação, após o qual o cidadão retorna à condição de espectador da própria vida política, a uma condição de miséria absoluta diante de tanta riqueza em acumulação pelas elites gananciosas e ambiciosas.

É nesse contexto que o anarquismo oferece uma crítica profundamente incômoda à realidade brasileira. Para a anarquia, o problema não é apenas a má gestão ou a corrupção, mas a própria existência de um Estado separado da sociedade, que governa de cima para baixo. No Brasil, essa separação é ainda mais violenta devido à herança escravocrata, racista e autoritária. A polícia, por exemplo, um dos braços mais visíveis da administração estatal, atua majoritariamente como força de ocupação em territórios pobres, exercendo controle e violência em nome da ordem, enquanto protege a propriedade e os interesses das classes dominantes. 

Para o anarquismo, isso não é um desvio do sistema, mas seu funcionamento normal.

A política administrativa brasileira sustenta-se na ideia de que a população precisa ser governada, educada, corrigida e vigiada. Essa lógica aparece na escola que disciplina mais do que emancipa, no serviço social que desconfia do pobre, no sistema penal que encarcera em massa jovens negros e periféricos, e na burocracia que transforma direitos em concessões condicionadas. A anarquia rompe radicalmente com essa lógica ao afirmar que a sociedade brasileira não é desorganizada por falta de Estado, mas sufocada por ele. Onde o Estado impõe regras e controles, a anarquia propõe organização comunitária direta, baseada em solidariedade, apoio mútuo e decisão coletiva. Não explorar, não ser explorada, não oprimir, não ser oprimida!

Em um país marcado pela desigualdade extrema, a anarquia denuncia o papel do Estado como gestor da pobreza e garantidor da exploração capitalista. Programas sociais, embora importantes para a sobrevivência imediata de milhões, não alteram a estrutura que produz a miséria; apenas a administram e gera uma dependência toxica e passiva, removendo o protagonismo das pessoas exploradas e oprimidas. O Estado brasileiro não elimina a desigualdade, ele a gerência, impedindo que se transforme em revolta organizada. A anarquia, ao contrário, propõe a superação dessas estruturas por meio da autogestão da produção, da ocupação coletiva dos espaços e da organização horizontal dos trabalhadores e das comunidades.

Assim, a crítica anarquista à política administrativa brasileira não é moral nem reformista, mas estrutural. Ela afirma que um país fundado na escravidão, no autoritarismo e na concentração de poder não pode ser emancipado por meio de mais leis, mais ministérios ou mais burocracia. Enquanto a administração pública brasileira continuar operando como instrumento de controle social e preservação de privilégios, a liberdade e a igualdade permanecerão promessas vazias de um amanhã de abundância em um hoje de miséria e sofrimento. Para o anarquismo, a verdadeira transformação social no Brasil não passa pela reforma do Estado, mas pela desconstrução de suas bases de dominação e pela construção de formas de organização social enraizadas na autonomia popular e na ação direta coletiva.

Na luta somos pessoas dignas e livres!

Política administrativa brasileira X anarquia
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