
Por Elisa Calomeno
Por que existe o crime? As pessoas são ruins por natureza, me responde
um amigo adolescente, talvez com aquela culpa moral superficial que nos
é característica nessas idades. Porque há pessoas que nascem más! Bem,
se tu me diz isso, antes defina o que você considera como maldade.
Egoísmo! Nisso eu concordo, mas qual é o problema? Por que existe o
crime? Corrupção, desigualdades sociais… é por este rumo que a ética
política quer que sigamos. Que melhor justificativa para nos forçar à
matrícula nas suas escolas? Sim, sim, com certeza a mesma educação que
segue a cartilha do Estado me libertará. Então uma senhora diz que as
pessoas passam por dificuldades e têm necessidades, e eu acho lindo.
Mas, queridos, por que existe a lei? A lei sequer existe.
Veja só, se eu, neste texto, inventasse um monte de regra, que validade
elas teriam sobre você? Você não pode mais ler o que vem a seguir! E
agora? Você comete um crime. Foda-se, né. Mas e se eu te punir por isso?
Vou lançar um vírus que remove o teu acesso do celular. Não pode, isso é
crime! De certo, e o meu uso da força não se compara ao da Federação.
Agora eu formei um exército com força bélica superior à das forças
armadas. Sendo assim, a minha lei se sobreporia sobre o poder policial,
porque minha capacidade de retaliação é maior. Talvez você ainda
preferisse o antigo código penal, só porque ele assegura estabilidade à
sua realidade. Somos conformados, por benefício próprio, com as leis
vindas dos interesses de burocratinhas. Dos teus interesses. Não seria
um problema, porém este texto é, com carinho, para os meus irmãos de
espírito; vagabundos, mentirosos, anarquistas.
O que distingue um animal doméstico de um animal selvagem é a raiva e o
prazer! Aquele que cresceu solto na natureza e caça, mantém sua
sobrevivência pela raiva. Resiste ao adestramento com raiva vivaz, não
por medo da morte, e sim pelo instinto da vida, pois a vida vai muito
além de apenas ter o que comer, onde dormir e se proteger. Este animal
só conhece a perversão! Só consegue existir ao seu modo imoral como
identidade. Quanto ao animal doméstico, beneficiado pela comodidade e
leis, quando o portão se abre, ele atravessa. Alguns voltam porque
desconhecem a anarquia e acham vantajosa a obediência. Aquele que não
atravessa, permanece indiferente à brecha, quer ir. Ele sabe que pode
fugir, ele não quer a fuga. Conteve tanto a raiva que se prendeu nela
com medo, aliviado com um “que cães burros os de rua” ou “talvez
amanhã”, “talvez amanhã eu não precise mais fugir”. Talvez amanhã o
sistema entrará em colapso e nós pegaremos em armas! O sistema não é
formado por nós? Você foi castrado por comida, cama, segurança,
identidade? Ou por fraqueza.
Nossos camaradas comunistas enchem o saco palestrando sobre a tomada ou
derrubada do Estado que os forçará a ser livres, pois eles são covardes
demais para simplesmente caminhar pela brecha existente. Fazem do
comunismo sua identidade e não sua luta. Não conseguem conceber projetos
palpáveis, suas ambições dependem de mandar nas escolhas dos outros.
Amigos, o óbvio, cada um de nós é único, temos nossas próprias lutas,
tristezas e prazeres. Não nos trate como uma massa que atende aos seus
caprichos. O proletariado nos emancipará! Qual deles? Que sonho do
indivíduo morrerá pelo Partido, para no fim continuarmos reféns da força
bélica?
Já nós, que não somos proletários, que temos a força da anarquia como
modo de vida, fazemos do socialismo nossa luta: não esse socialismo
transitório que fica entre o capitalismo e a utopia comunista dos
sociais-democratas, golpistas, ou a ditadura/autogoverno no período da
revolução proletária dos marxistas autogestionários. O socialismo, para
um anarquista, convém como método.
Antes de elaborar, vou dar satisfação das últimas acusações, supondo que
você já tenha alguma familiaridade. Se tu é o fodão, pode pular os
quinze parágrafos. O socialismo é uma ideia velha pra caralho, um termo
guarda-chuva que abrange os sindicalistas, os utopistas, os anarquistas
e os comunistas.
Desde a Grécia Antiga, os cínicos, discípulos de Antístenes, refletiam
sobre uma comunidade sem distinção de raça e nacionalidade, que
desprezasse os prazeres, as riquezas e a propriedade. Eles achavam que
alcançariam isso por meio do convencimento.
Aí, Hipódamo de Mileto planejou uma cidade onde os cidadãos se dividiam
entre sacerdotes, soldados e trabalhadores. Teria reuniões cívicas,
associações públicas e refeições em comum.
Chega Platão, reaproveita essa divisão de classe de Hipódamo no seu
modelo social, e elabora que essa divisão se daria por seleção natural,
sem diferença de sexo. Viveriam para o bem do governo; os considerados
sábios e virtuosos ficariam no poder e as crianças deficientes seriam
mortas!
E tinha a utopia do estoico Zenão de Cício que se baseava na ausência do
dinheiro, do exército e da justiça.
O nome Utopia foi criado em 1516 por São Thomas More. Utopia seria uma
ilha governada por um monarca, teria uma produção que serviria a todo o
povo, sem propriedade privada, e o trabalho obrigatório de 6 horas por
dia, com exceção dos políticos e sacerdotes.
No Século XVIII, um dos primeiros socialistas (se forçar um pouco a
barra) foi Jean-Jacques Rousseau. Ele quem escreveu que o homem nasce
bom, mas a sociedade o corrompe. Sendo assim, essa sociedade e suas
estruturas teriam de ser abolidas, e tudo relacionado a elas seria
destruído para que pudéssemos retornar à era primitiva da humanidade e o
homem voltasse a ser bom.
Pensando nisso também, Morelly percebe que a propriedade privada é
responsável pelas desigualdades sociais, nações, feudos, luta de classes
e por como a história se desenvolvia a partir desta. Pra fundamentar uma
sociedade em que tudo isso é passado, seriam utilizadas três leis fixas:
uma contra a propriedade, outra que estabelece um sistema de assistência
e a última que estabelece um sistema de cooperação. Haveria outras leis,
mas dependeriam das condições variáveis.
No final do mesmo século, o pastor e irmão de espírito William Godwin
escreve que o Estado, o direito e as instituições limitam a autonomia do
indivíduo, e considera todas as formas de associação autoritárias. Mesmo
assim, quando o Estado desaparecesse, a sociedade, composta de pequenas
comunidades, se regularia pela ajuda mútua e assembleias.
O Comunismo surge como movimento operário, no século XIX europeu, ao
qual Karl Marx aderiu mais tarde. Distinguimos Comunismo Libertário de
Comunismo Autoritário. No primeiro, temos Marx, os anarcocomunistas (nem
todo anarquista é comunista, que fique claro), o comunismo de conselhos
– influenciado pelos conselhos de trabalhadores (também conhecidos como
sovietes) –, os autonomistas, os autogestionários e a comunização. No
segundo, temos (ou tínhamos) os blanquistas, Engels, Bordiga,
sociais-democratas eleitoreiros (PCB, PCBR, UP, PCU, PCdoB) e
sociais-democratas golpistas, como os leninistas, trotskistas, maoístas,
foquistas, entre outros equivalentes ao fascismo.
Segundo Marx, o proletariado seria a única classe social capaz de
emancipar a humanidade e superar o modo de produção capitalista, que é
baseado na produção de mercadorias, por ser esta classe quem gera a
riqueza. Sendo assim, quando o regime entra em crise e o proletariado
percebe sua condição de explorado, ele se organiza e se revolta. Segundo
alguns comunistas libertários, a burocracia, temendo a revolução,
concede ao proletariado certas reivindicações, novos direitos, e
reinventa o regime para a proteção do capital (você que lute pra saber o
que é isso).
Se o proletariado sair vitorioso em sua revolta, o processo
revolucionário e a ditadura do proletariado são simultâneos. A força
bélica, a lei dos revolucionários, se sobrepõe à lei do Estado a fim de
abolir o capital e, por consequência, abolir o Estado, que é o produto
do conflito entre produtores e apropriadores. Depois disso só deus sabe.
Marx já detalhava a operação econômica das futuras nações socialistas ao
criticar seus contemporâneos, isto de transformar capital em capital
estatal, a propriedade privada em propriedade estatal, e o controle
estatal da produção, como reprodução burguesa das condições materiais.
Vladimir Lênin reconhecia isso, que o que estava acontecendo na Rússia
não era socialismo, era capitalismo de Estado. Reformas sociais não
significam autogestão. Achava que, futuramente, o produtor notaria a
obsolescência do regime e o Estado desapareceria sozinho.
Antes de Lênin, teve o social-democrata Karl Kautsky, foi quem difundiu
a ideia de um estado transitório (no caso dele, por meio do processo
democrático).
Retrocedendo na cronologia do Comunismo Autoritário, amo culpar
Friedrich Engels! Ele, que era positivista, deixava explícito seu
racismo científico nas obras e foi quem se alinhou com o Partido
Social-Democrata. Como via as leis da natureza como absolutas, sua
filosofia era de dominação e controle dela. E o humano não faz parte da
natureza? Ahaha! Para ele, a autoridade era necessário na administração
comunista, para evitar a anarquia.
Sim! Teve influência no fascismo. Sim, o fascismo nasceu do sindicalismo
revolucionário. Sim, Benito Mussolini foi socialista e preservou
posições social-democratas em seus anos de regime e de perseguição aos
comunistas. Era um utopista platônico, viver para o Estado como a
virtude do homem. Daí, consideram uma doutrina totalitária, integralista
– todos os aspectos da vida são voltados para a ideologia do Estado –,
nacionalista e expansionista – sendo usados inimigos, como os
comunistas, para que os cidadãos se unissem contra eles. Apesar de ter
preservado o modo de produção capitalista e ter sido resultado da crise
deste mesmo (e com este argumento podemos justificar a existência de
qualquer governo), assegurando a reprodução do capital, o ponto é a
semelhança na força com os governos Comunistas Autoritários. Sou das que
gosta que demonstrem e não só falem. Embora sejam rivais, apelo para a
vergonha deles entre nós. Houve massacres de camponeses na União
Soviética, na China, e nisso é passado pano pelos comunistas! Nesse
massacre no Rio de Janeiro está sendo passado pano por alguns
comunistas! Se assumam trabalhistas 🖕.
Mas nós não somos sequer proletários, sequer marxistas, sequer
socialistas. O Anarquismo, com todas as suas vertentes, surgiu da recusa
aos comunistas e aos socialistas autoritários. Se não, por que os
anarcocomunistas não se chamariam apenas de comunistas? E nós usamos do
socialismo sem nos tornarmos socialistas. Você não vira pintor por ter
pintado as paredes do teu quarto.
Os anarquistas do passado já eram conhecidos por cometerem assaltos,
invasões, quebra-quebras, em nome de suas organizações. Os vagabundos
fizeram o anarquismo ilegalista no início do século XX na Europa e eles
cometiam grandes assaltos também, só que por autossustento. Recusavam o
trabalho (eu sou PJ e tenho que cumprir serviço comunitário, merda), a
cultura, levavam um modo de vida alternativo, formavam gangues por
amizade – NÃO POR FILIAÇÃO POLÍTICA!!!! Naturalmente niilistas porque
sabiam que o niilismo significava negação.
Depois, na metade do século, o anarquismo ilegalista se transforma em
anarquismo Insurreccionista. Não é nunca revolucionário, pois revolução,
para nós, significa tomada estatal e poder; é insurreccionário porque
insurreição é rebelião, sozinho ou com meus parceiros, da minha raiva
vivaz e do meu prazer contra o mundo, só porque eu quero. A anarquia é a
nossa força, não nós a força da anarquismo.
Tô querendo reacender nossa rivalidade com os comunistas porque esses
anarquistas estão perdendo a mão. Não há nenhum benefício em se aliar
com comunistas, a menos que seja na amizade, aí é outros quinhentos, mas
eles não picham nem um muro, dependem dos pais, é uma revolta
superficial, tá ligado?
Não temos um Ian Neves da anarquia, somos anarquistas porque isso nos dá
a sensação de liberdade. Você não precisa estudar para ser anarquista,
sabe. Mas acho que temos muito que aprender com os agoristas. Queremos
enriquecer também, pô. Essa parada de mercado alternativo ou até de
comunicação, como muitos de nós fazemos com o Riseup, tenho pra mim como
forma de socialismo. Se eu sou indiferente ao poder estatal, se eu me
associo a outros anarquistas pelo benefício próprio de cada um, se
vandalizamos juntos, roubamos, damos fuga da polícia, nos defendemos, o
que nos impede de dizer que praticamos um socialismo vivaz?
Se a lei só é válida por meio da força, o socialismo também é. Nós temos
necessidades que vão muito além de comida, cama e segurança, muito mais
do que qualquer governo possa nos oferecer. Nós temos a necessidade de
ser, de termos, de sermos vistos, amados, de nos divertirmos, de gozar,
e isso cabe a nós. Temos dificuldades, financeiras, principalmente,
psíquicas, legais, de relacionamento, mas é aí que está o prazer da
vida. Deus fez o mau para sabermos o que é bom, e fazemos aquilo que é
bom para a gente. Ninguém nos força ao crime, nós o cometemos cientes
das consequências. Nós somos ruins, nascemos maus. E qual o problema?
Por que precisamos ser éticos e bons para os outros? E é por isso que
existe o crime.
Solidariedade aos irmãos de espírito mortos pelo Estado.





