Mulher? Ou a mãe? Os novos feminismos relevam o fenômeno infantil e o cuidado com as crianças.

Dentro do feminismo há um discurso muito diverso sobre maternidade (e quase qualquer outra coisa), daí que estamos sempre falando sobre “feminismos” no plural. No entanto, penso que, embora seja uma opinião discutível, então peço que a entenda – de que há algo que podemos chamar de “feminismo regular ou institucionalizado”, em que a pluralidade desaparece. Para que  este feminismo, que é o mais influente em termos políticos (quero dizer, política institucional para influenciar as políticas administrativas) a maternidade é, acima de tudo, um ponto cego, como para muitas teorias do feminismo clássico (me, é claro, sempre me impressionou o quanto os textos clássicos do feminismo que passam superficialmente por um fenômeno central para as mulheres).

Além disso, os feminismos tiveram e ainda tem que lutar uma batalha difícil pelo direito ao aborto e contracepção. Neste sentido, é lógico que os esforços concentraram-se na luta contra a maternidade como imposição. Mas, pela luta, a reivindicação e análise de uma maternidade desejada a partir de uma perspectiva feminista tende a ser marginal. Além disso, o discurso meu corpo, minhas regras, perfeitamente razoável na luta pelo aborto, também nos deixa em uma posição ruim para reivindicar a maternidade como um fato social, ou para exigir o envolvimento de toda a sociedade nos cuidados das crianças. Como dizia Yvonee Knibiehler, uma feminista francesa que admiro, uma vez conquistado o direito de sermos mães, temos que o garantir de o ser sem nos perder em nossa luta. E eu acredito que como eu, muitas mulheres ao terem filhos, nos sentimos  órfãs no discurso feminista que procuramos nos encaixar, especialmente quando se entende que a maternidade “externa” (escolarização “precoce”, disciplinarização, adultismo, entender as crianças como uma fardo, estorvo …) não pertence a nossa luta.

Muitas feministas afirmam fortemente o seu direito de não ser mães, e denunciam a sociedade patriarcal atual que  mantém a ideologia onde ser uma mulher é ser mãe e pressiona as mulheres para serem mães acima de tudo. Nos, outras, afirmamos que nosso direito de ser mães fora do padrão e das maneiras que não se encaixam no padrão ideológico feminista e garantir que as pressões que temos recebido nos direcionam para o oposto: trabalha, consuma, transe, desfruta, sacia, goza, segue com tua vida e não se  envolva com a criação que não te retornará nada de bom. Claro, todas vamos saber por experiência na carne qual das pressões sejam mais terríveis .

Mas, além desse debate estéril de experiências pessoais divergentes, eu entendo que nós deveríamos fazer uma avaliação do mundo ideológico em que vivemos. De acordo com minha hipótese, a pressão patriarcal para identificar a mulher com a mãe é uma ideologia em declínio, uma ideologia secundária, enquanto a pressão anti-maternal está crescendo. Primeiro, o pró-maternal, é muito visível e direto e um tanto, digamos, ingênua. E não estranharia que em termos estatísticos, as mulheres ainda haverá mais mulheres que se sentem vítimas dessa pressão, ouso dizer que está se deteriorando em um sentido profundo. A segunda pressão, anti-maternal, é mais esperta e menos fáceis de identificar. É misturada com a ideologia produtivista usual de nossas sociedades capitalistas, está misturada com o consumismo e do hedonismo mais socializado, e recorre, confusamente, em muitos dos temas e conceitos de discurso feminista, o que tornam as coisas ainda mais confusas. Em meu ver, no mínimo, tudo conspira em que “escolher” as crianças seja uma escolha errada.

Claro que, para mim, não faz sentido deixar-se enganar pelo brega, reaça e muito clichê que “as crianças são o bem mais precioso” ou  “mãe só se tem uma”: realidade é que cuidar (e portanto, também ser uma mãe) aqui e agora é duro e difícil e muito desincentivado.

Muitas feministas têm identificado, com razão, na minha opinião, que a maternidade como fonte de opressão e sofrimento em nossas sociedades. Mas em vez de lutar e denunciar este fato preferem virar as costas para a maternidade, confundindo, talvez, os problemas envolvidos na maternidade na nossa sociedade, com problemas intrínsecos da maternidade desde sempre.

Para muitas feministas as reivindicações atuais  de uma maternidade intensiva em tempo e esforço (com suas concreções na forma de amamentação prolongada, cama compartilhada, escolaridade atrasada, a educação não-autoritária, etc.) representam um passo atrás e uma terrível perda de autonomia. É engraçado porque parece-me extremamente claro que a maior perda de autonomia que existe neste mundo, e o principal dreno de tempo e esforço, é trabalho assalariado, e ainda assim não se costuma ouvir tantas reclamações …

Eu entendo que se os feminismos abrirem seus ouvidos para essas reivindicações maternas obteria entre todas a elaboração de discursos mais matizados, não deixaremos tantas mães órfãs do feminismo, e poderíamos lutar mais eficazmente contra os elementos machistas destes  ideologias maternalistas, expondo o potencialmente libertadores da maternidade intensiva, e lutando contra os estereótipos maternais que nos rotulam, como Brigitte Vasallo denunciou em Pikara tão justamente; estereótipos que, aliás, também são opressivas de homens que assumem a responsabilidade  do cuidado infantil.

Tradução do periódico CNT Espanha – 417

Criar uma fala maternal (decente)
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