
Este material sustenta que o anarquismo sul-americano contemporâneo não é uma alternativa política: é uma acusação direta, um desmascaramento e uma ruptura total com a farsa estatal que domina o continente há dois séculos. O Estado neoliberal destrói; o Estado progressista administra a destruição; ambos consolidam estruturas coloniais, racistas e patriarcais. O anarquismo, longe de propor remendos, afirma que toda tentativa de “melhoria institucional” é cúmplice da ordem. Sua combatividade deriva do diagnóstico simples: não há como consertar o que existe para controlar, explorar e hierarquizar.
A América do Sul é o palco onde o Estado esgotou qualquer aparência de legitimidade. Governos se alternam, ideologias se rotulam, partidos se revezam — e nada muda além da retórica. A violência estrutural permanece intacta, apenas reembalada em discursos de modernização ou inclusão social.
O anarquismo reaparece justamente porque tudo o que foi oferecido como solução virou parte do problema. Em vez de aceitar o teatro democrático, o anarquismo afirma abertamente:
O Estado não falha; ele funciona exatamente como projetado — para impedir autonomia, sufocar dissidência e manter a minoria no poder.
Essa é uma constatação agressiva porque expõe a raiz das contradições políticas latino-americanas.
As últimas décadas demonstraram que, em essência, direita e esquerda institucional compartilham o mesmo manual de operação: militarizam bairros pobres, reprimem protestos, criminalizam movimentos sociais, protegem empresas destrutivas, expandem vigilância e burocracia.
O progressismo sul-americano fez algo ainda pior: vendeu a ideia de que estava “do lado do povo”, enquanto implementava projetos que expulsaram comunidades, devastaram territórios e fortaleceram corporações extrativas.
O anarquismo responde de forma direta: não existe Estado aliado — existe Estado explorador. Mudar o gerente não altera a estrutura de dominação.
As lutas territoriais mostram o caráter brutal da política sul-americana: quando comunidades defendem seus territórios, o Estado responde com polícia, gás, despejo e acordo com empresas.
A crítica anarquista rejeita a ideia de “desenvolvimento sustentável”, reconhecendo o óbvio: extrativismo sustentável é tão real quanto colonialismo gentil. Não existe!
Enquanto governos tratam machismo e racismo como “problemas administrativos”, os movimentos anarquistas afirmam: o patriarcado e o racismo não são falhas do Estado — são seus pilares. Logo, nenhum programa estatal pode produzir libertação. A combatividade dessas vertentes deriva da recusa de serem geridas por instituições que perpetuam a violência que dizem combater (como partidos e igrejas).
As rebeliões de 2013 no Brasil, 2019 no Chile e 2021 na Colômbia foram explosões contra décadas de frustração acumulada. Quando milhões foram às ruas, a resposta dos governos foi imediata e previsível: militarização, prisões em massa, leis antiprotesto, propaganda criminalizante. O anarquismo leu esses eventos com precisão: quando o povo se move, o Estado revela sua verdadeira forma — a força repressiva nua.
Enquanto o Estado promete, o anarquismo faz. Enquanto o Estado controla, o anarquismo organiza. Enquanto o Estado divide, o anarquismo conecta. Práticas libertárias incluem: assembleias horizontais que ignoram chefes, ocupações que desobedecem à sacralização da propriedade privada, apoio mútuo que dispensa assistencialismo, economia autogestionada que rejeita mediação estatal, redes comunitárias baseadas em autonomia real, não em caridade institucional.
Essas práticas não são “alternativas gentis” — são atos de ruptura contra a normalidade autoritária seja de onde vier e de onde for.
O anarquismo não se esconde de suas próprias dificuldades: fragmentação, divergências estratégicas, tensões internas permanentes. Mas sua força reside exatamente nisso: não há dogma, não há linha oficial, não há liderança. A combatividade nasce da recusa de se transformar em versão reduzida da autoridade que combate.
Quando todo o espectro político institucional se revela cúmplice de violências históricas, o anarquismo assume a única posição coerente: não reformar — romper. Não pedir — construir. Não esperar — agir.
O anarquismo no século XXI não é moderado, não é conciliador e não é diplomático — porque a realidade latino-americana também não é. A combatividade libertária expressa o reconhecimento de que a liberdade não cabe dentro do Estado e que a autonomia não nasce de instituições que existem para controlá-la.
No cenário atual, o discurso mais agressivo é também o mais honesto: se queremos outro mundo, não é o Estado que vai construí-lo — somos nós, apesar dele. Na luta somos dignas e livres!





