Sem recursos, não há revolução!

Por Don Diego de la Vega, Liza — Plataforma Anarquista de Madrid

No âmbito da luta revolucionária anarquista, a questão econômica não pode mais permanecer relegada a uma nota de rodapé. A economia não é um campo “neutro” ou uma dimensão técnica separada da política; ela é uma das principais arenas onde as relações de poder se reproduzem. Qualquer estratégia política que busque transformar radicalmente a sociedade deve reconhecer claramente que, sem recursos, não há possibilidade real de sustentar lutas, construir poder popular ou proteger nossos camaradas da repressão estatal ou da sabotagem capitalista. Os meios materiais, por si só, não garantem a emancipação, mas sua ausência pode condená-la ao fracasso — ou reduzi-la a mera expressão simbólica.

Precisamos nos munir de recursos econômicos não apenas para sobreviver, mas para tomar a iniciativa. Recursos para imprimir panfletos, produzir propaganda, manter espaços comunitários e casas seguras, financiar fundos de greve, enviar delegados a reuniões, apoiar aqueles que são alvo de (in)justiça, sustentar greves de longa duração, organizar processos de educação política, atender às necessidades básicas de militantes em situação precária ou financiar projetos cooperativos que fortaleçam a autonomia.

Construir uma base econômica robusta é uma necessidade urgente: permite que nossas organizações operem de forma autônoma, resistam em tempos de repressão, expandam sua influência e atendam às necessidades básicas daqueles que as sustentam. Não se trata de ceder à lógica mercantilista, mas de praticar uma ética de cuidado coletivo — com os meios materiais para sustentar e ampliar nossas lutas.

A política, sem os meios materiais para se reproduzir e expandir, refugia-se no simbolismo; a organização, sem capacidade para sustentar greves, amparar legalmente seus membros ou mesmo imprimir propaganda, torna-se neutralizada pelo peso da pobreza e do isolamento. Este ensaio aborda a urgência de se adotar uma práxis econômica militante — inspirada em exemplos históricos do anarquismo e informada por contribuições contemporâneas que combinam a crítica ao capital com propostas organizacionais concretas.

Militância com Orçamento: A Força Financeira do Movimento

Desde o pagamento de multas e custas judiciais até a manutenção de fundos de greve, eventos políticos, campanhas de conscientização, redes de ajuda mútua ou cozinhas comunitárias — toda organização precisa de recursos estáveis. Isso não é um luxo ou um capricho, mas um elemento vital que determina o alcance real da ação política. Não se trata de uma concessão ao economicismo liberal, mas de uma afirmação materialista: nossas estruturas precisam ser capazes de resistir, reproduzir e crescer para que tenham qualquer impacto estrutural. Toda ação revolucionária precisa de uma base financeira que permita continuidade e projeção. A precariedade não pode ser o modo de existência de um movimento que visa transformar as condições materiais de vida.

Contribuições regulares de membros, doações solidárias ou a renda proveniente da venda de materiais políticos (livros, revistas, camisetas, cartazes etc.) são fundamentais para sustentar nossas iniciativas sem depender do Estado, de ONGs ou de subsídios que impõem condições e limitam a autonomia. A autogestão começa com a forma como financiamos nossas atividades. Contribuições regulares, por menores que sejam, permitem planejamento, previsão e resposta rápida em emergências. Campanhas de arrecadação de fundos ou feiras políticas também podem ser momentos para dar visibilidade ao projeto e fortalecer os laços com simpatizantes e aliados.

Na história do anarquismo, a economia nunca foi uma preocupação estrangeira ou secundária. Na década de 1930, a CNT não apenas organizou greves, mas também construiu uma complexa rede de estruturas sociais: centros culturais, escolas racionalistas, cooperativas de consumo, centros de assistência, editoras, grupos culturais e redes de defesa. Esse ecossistema econômico sustentava a luta cotidiana e projetava uma alternativa integral à sociedade capitalista. Anarquistas como Bakunin compreendiam essa dimensão — ele próprio financiou expedições revolucionárias para apoiar células libertárias por toda a Europa, sabendo que o movimento precisava de recursos, logística e planejamento para se expandir. Um exemplo concreto disso é a missão de Fanelli à Espanha.

O objetivo não é acumular riqueza ou capital, mas construir um fundo comum — uma infraestrutura popular a serviço de fins revolucionários. Abraham Guillén deixou isso claro: “Autogestão sem controle sobre os meios econômicos é uma farsa”. As organizações precisam não apenas de autonomia política, mas também de soberania econômica. O contrário implica dependência constante de atores externos, voluntariado individual ou ciclos de entusiasmo que não oferecem continuidade. Somente com uma base financeira sólida podemos pensar em processos de longo prazo, expansão territorial, internacionalismo e no sustento emocional e material daqueles que estão na linha de frente da luta.

Da oficina à barricada: coletivos que construíram poder

Durante a Revolução Espanhola de 1936, nos territórios onde o golpe de Estado fracassou parcialmente e o poder passou para as mãos de comitês operários e milícias populares, desenvolveram-se simultaneamente processos de revolução social e de guerra antifascista. Entre os mais notáveis, destacou-se a coletivização agrária e industrial em larga escala, especialmente em regiões como Aragão, Catalunha e Valência. Nesses territórios, comunidades rurais e fábricas urbanas passaram a ser administradas coletivamente por seus trabalhadores — sem patrões ou burocracia estatal. Esses coletivos eram impulsionados principalmente por militantes da CNT, que vinham desenvolvendo propostas teóricas e práticas de autogestão há anos.

Nas áreas rurais, a coletivização significou a socialização da terra, das ferramentas e dos recursos, com o objetivo de abolir o trabalho assalariado e organizar a produção com base nas necessidades sociais. Em muitas zonas, foram criadas federações regionais para coordenar as atividades entre as aldeias. Nas áreas urbanas, centenas de fábricas, oficinas e serviços foram assumidos pelos seus trabalhadores e reorganizados segundo os princípios do controle operário. Apesar da ausência de um plano centralizado, a produção foi mantida em setores-chave como alimentação, transportes e indústria bélica.

Essas experiências foram analisadas minuciosamente por Miguel Gómez em La CNT y la Nueva Economía. Del colectivismo a la planificación de la economía confederal (1936–1939), onde ele examina como o movimento libertário, por meio da CNT, desenvolveu propostas de planejamento econômico durante a Segunda República e a Guerra Civil, e como estas foram articuladas na prática. Gómez documenta a evolução da socialização espontânea para a criação de estruturas como o Conselho Econômico Confederal (CEC), com o objetivo de coordenar os esforços produtivos segundo princípios libertários.

Gómez observa ainda que essa revolução social não foi liderada por uma vanguarda, mas realizada pela própria base operária e camponesa, atuando no vácuo de poder deixado pelos patrões e latifundiários que aderiram ao golpe militar. Ele destaca também como a participação da CNT em órgãos como o Comitê de Milícias Antifascistas, o Conselho Econômico da Generalitat e até mesmo o Governo Republicano refletia uma estratégia complexa e contraditória: cooperar temporariamente com o Estado para sustentar a revolução e enfrentar a guerra, sem abandonar completamente os princípios libertários.

Os coletivos enfrentaram muitos desafios: pressão política dos setores estatistas e stalinistas, dificuldades logísticas decorrentes da guerra e tensões internas sobre o grau de centralização. Após maio de 1937 em Barcelona e a dissolução do Conselho de Aragão, o processo de coletivização começou a ser desmantelado por forças contrarrevolucionárias dentro do próprio campo republicano.

Apesar de tudo, os coletivos provaram que era possível organizar a economia em bases igualitárias, cooperativas e democráticas — mesmo em um contexto de guerra total. O modelo de planejamento confederal promovido pela CNT, embora incompleto, permanece uma das experiências mais ambiciosas e avançadas de construção econômica libertária na história moderna.

Economia Anarquista: Princípios e Prática

De Kropotkin a Michael Albert, passando por Abraham Guillén, Iain McKay, Asimakopoulos, Wayne Price e até mesmo as reflexões críticas de Marx, a tradição anarquista ofereceu análises e propostas concretas para uma economia que rompe com a lógica do capital e constrói alternativas libertárias e emancipatórias.

Em “A Conquista do Pão e dos Campos, das Fábricas e das Oficinas”, Kropotkin argumenta que a economia deve ser organizada em torno da satisfação direta das necessidades humanas. Ele propõe uma descentralização radical, a abolição dos salários e uma produção baseada na cooperação, na ajuda mútua e na livre associação. Para ele, uma sociedade livre é impossível enquanto os recursos permanecerem sob o controle de poucos; a expropriação dos meios de produção deve caminhar lado a lado com sua gestão comunitária e horizontal.

Abraham Guillén, com uma abordagem mais técnica e ligada ao anarquismo ibérico e latino-americano, propõe um modelo de planejamento democrático baseado em federações econômicas, assembleias territoriais e controle operário. Em sua visão, a economia libertária não é espontânea, mas organizada, científica e orientada para o bem comum. Ele oferece ferramentas para pensar em como ampliar a autogestão sem cair no caos ou na centralização estatal — um desafio que toda organização revolucionária deve levar a sério.

Michael Albert, com seu modelo de parecon (economia participativa), oferece mecanismos institucionais concretos para transcender tanto o capitalismo quanto o socialismo autoritário: conselhos de trabalhadores e consumidores, remuneração baseada em esforço e sacrifício, complexos de trabalho equilibrados e planejamento participativo sem mercados ou Estados. Seu modelo vislumbra uma economia funcional sem hierarquias econômicas, classes de propriedade ou planejadores burocráticos.

Iain McKay, autor de “An Anarchist FAQ” e de vários estudos sobre economia libertária, enfatiza a importância de conectar teoria e prática: a economia anarquista não é uma abstração utópica, mas uma tradição viva, praticada em inúmeras experiências históricas. McKay também destaca que, embora abolir o capitalismo seja essencial, o processo deve ser guiado por princípios como ajuda mútua, equidade, descentralização e ação econômica direta.

Wayne Price, por sua vez, defende a necessidade de uma economia libertária que incorpore criticamente as ferramentas marxistas — sem cair no autoritarismo, mas sem descartar a análise de classe. Ele reconhece em Marx uma poderosa crítica ao capitalismo — especialmente sua análise de valor, acumulação e exploração — que pode ser reapropriada a partir de uma perspectiva libertária, desde que se evite o estatismo e o centralismo. Bakunin já havia antecipado isso em suas críticas a Marx: o problema não era a análise econômica, mas sua tradução em estruturas autoritárias. Assim, uma economia anarquista não nega a utilidade de certas categorias marxistas, mas as redireciona para um horizonte de emancipação sem Estado ou classes dominantes.

O caso das igrejas evangélicas: solidariedade ou submissão?

Em muitos territórios operários, migrantes e marginalizados — onde o Estado está ausente e o mercado garante apenas exploração — as igrejas evangélicas construíram uma forte presença social. Elas se inseriram em comunidades atingidas pelo desemprego, pela violência e pela precariedade, oferecendo o que o sistema nega: comida, escuta, companhia, atividades para crianças, laços sociais e significado. Elas compreenderam, com uma eficácia perturbadora, que a hegemonia não se conquista apenas no púlpito, mas também na base material.

Mas essa inserção não é inocente nem emancipadora. Essas igrejas atuam como amortecedores do conflito social, canalizando a raiva para a resignação e propondo a salvação individual como substituta da transformação coletiva. Sua própria chegada à América Latina fez parte de uma operação psicológica da CIA — que via o catolicismo como bolchevizado e temia o contágio revolucionário. De uma perspectiva anarquista e de classe, elas constituem uma forma particularmente insidiosa de controle social. Promovem valores profundamente conservadores: obediência à autoridade, culpa pessoal pela pobreza, submissão feminina, rejeição do pensamento crítico e moralismo punitivo. A mensagem central é clara: se você sofre, é porque lhe falta fé, não porque o sistema esteja corrompido.

Um dos seus principais pilares econômicos é o dízimo obrigatório: uma contribuição mínima — geralmente 10% da renda pessoal — que cada fiel deve dar como prova de compromisso espiritual. Na prática, o dízimo se torna uma extração sistemática de recursos da classe trabalhadora, muitas vezes sob coerção moral, mesmo entre aqueles que vivem em situação de necessidade. Essas estruturas operam como verdadeiras corporações, com modelos de negócios baseados em lealdade, culpa e obediência. Em países como Brasil, México ou Filipinas, algumas igrejas evangélicas (especialmente neopentecostais) acumularam impérios imobiliários, redes de mídia, partidos políticos e sistemas clientelistas que se assemelham mais a conglomerados corporativos do que a comunidades espirituais.

Não é coincidência que, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa, diversas igrejas evangélicas tenham sido implicadas em escândalos que revelam sua natureza reacionária e exploradora. No Brasil, figuras do evangelho da prosperidade foram julgadas por lavagem de dinheiro, fraude e manipulação emocional de fiéis. Nos EUA, megaigrejas enriqueceram-se às custas de comunidades carentes, enquanto promoviam agendas antiaborto, racistas e homofóbicas. Na Europa, algumas organizações evangélicas foram investigadas por práticas coercitivas e sectárias, e por receberem verbas públicas ostensivamente para trabalhos sociais. Esses não são casos isolados, mas sim expressões de uma lógica estrutural: essas igrejas se apresentam como salvação espiritual enquanto consolidam redes de poder conservadoras a serviço do status quo.

Para os anarquistas, o desafio não é competir em bases teológicas, mas sim recuperar seu lugar no tecido social. O que devemos aprender não é sua doutrina, mas sua capacidade de construir uma presença material sustentável. Devemos construir redes de ajuda mútua, espaços de convívio e solidariedade, cozinhas comunitárias, projetos educacionais autogeridos, brigadas de saúde e espaços culturais e de lazer para crianças. Porque, se não preenchermos essas lacunas por meio da prática libertária, outros o farão — e quando os reacionários as preenchem, desviam a energia popular para a obediência e a culpa.

A luta contra essas formas de dominação espiritual e econômica não se trava apenas nas esferas política ou sindical — ela se desenrola, muitas vezes principalmente, em bairros, comunidades populares e espaços da vida cotidiana. Quando as igrejas evangélicas conseguem fazer com que a classe trabalhadora entregue parte de sua escassa renda em troca de um lugar no céu, estamos testemunhando uma derrota concreta na luta por significado, conexão e redistribuição. Se não ocuparmos esses territórios com projetos libertários, solidários e combativos, aqueles que o fizerem redirecionarão a demanda por justiça para a fé cega e o sacrifício pessoal. Não podemos permitir que os inimigos de classe se disfarcem de “ajuda” enquanto reproduzem obediência, culpa e submissão.

Recursos para a Revolta

Uma economia revolucionária começa com princípios sólidos e práticas claras. Não se trata apenas de resistência, mas de construir, aqui e agora, modos de vida e de organização que incorporem os valores que defendemos. A forma como gerenciamos os recursos revela nossa ética política. Nesse sentido, devemos rejeitar o enriquecimento pessoal dentro das estruturas coletivas: quem lucra às custas da organização quebra a confiança e corrói o tecido social comum. A apropriação privada de recursos coletivos é uma traição a qualquer horizonte libertário.

Toda a renda deve ser reinvestida na luta. Cada doação, taxa de associação ou euro gerado por meio de atividades autogeridas deve ser reinvestido no fortalecimento de nossas capacidades: manutenção de espaços, publicação de materiais, sustentação de redes de apoio, prestação de ajuda direta. Não há “dinheiro extra” quando a revolução está em jogo. Cada recurso conta e deve servir ao bem comum.

Por isso, é essencial construir reservas econômicas — físicas ou digitais — para responder rapidamente a situações inesperadas: repressão, emergências sanitárias, sabotagem, realocações urgentes. Não planejar é condenar-se à improvisação, e a improvisação constante esgota e desarma.

Investir com inteligência política significa priorizar gastos que fortaleçam nossa autonomia, coesão e alcance. Propaganda, espaços seguros, ferramentas educacionais, redes de ajuda mútua — isso não são despesas, mas investimentos em poder popular.

Uma estrutura econômica libertária também deve se basear em contribuições justas. Não se trata de impor taxas inacessíveis, mas de conceber formas de participação econômica que sejam solidárias e proporcionais. Cada um contribui de acordo com suas possibilidades, mas todos compartilham o compromisso comum.

Por fim, precisamos gerar receitas sustentáveis ​​— feiras, cooperativas, oficinas, publicações. Atividades que não apenas nos financiem, mas que nos conectem com nossas comunidades, disseminem nossas ideias e construam laços reais. Essa geração de recursos deve evitar a lógica empresarial: não competimos com o mercado — nós o confrontamos. Tampouco imploramos ao Estado, que faz parte do problema. Nossa autonomia econômica não é um detalhe técnico; é uma condição para que nossas lutas sejam duradouras, coerentes e transformadoras.

Porque sem pão não há liberdade.

A revolução não será financiada por filantropos ou patrocinadores. Se quisermos construir o poder popular, devemos também construir uma economia popular — não para reproduzir a lógica capitalista, mas para desmantelá-la. Não para competir, mas para viver com dignidade e lutar com mais eficácia.

Uma organização que não pensa em como se sustentar materialmente está fadada à fragilidade. Uma estratégia política que ignora a dimensão econômica é incompleta. E um projeto emancipatório que não atende às necessidades de seus membros está destinado a fracassar.

Toda organização revolucionária precisa de uma base econômica — não como um fim em si mesma, mas como um meio. Para sustentar greves, abrir espaços, alimentar camaradas, libertar prisioneiros, cuidar de crianças e disseminar a semente libertária em todos os cantos do território.

Porque sem pão não há liberdade. E sem uma estratégia econômica não pode haver revolução duradoura.]

Título: A importância de uma base econômica sólida para organizações revolucionárias
Legenda: Sem recursos, não há revolução!
Autores: Don Diego de la Vega , Liza — Plataforma Anarquista de Madrid
Tópicos: economia , especifismo , organização , plataformismo , recursos , revolução
Data: 10 de setembro de 2025
Fonte: https://regeneracionlibertaria.org/2025/09/10/la-importancia-de-una-buena-base-economica-para-organizaciones-revolucionarias/

A importância de uma base econômica sólida para organizações revolucionárias.
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