Fenikso Nigra não nasceu de um ato fundador, nem de uma assinatura coletiva, nem de um estatuto. Surge do acúmulo de experiências, choques, encontros e dissoluções que atravessam o tempo e os territórios, das relações entre pessoas de diferentes experiências, oprimidas e exploradas! É fruto de uma história viva de práticas anarquistas que se manifestam em Campinas inicialmente (2005), mas não se limitou a esse espaço e a esse território. Fenikso Nigra é união metamórfica: existe enquanto movimento, desaparece enquanto forma fixa, reaparece sempre que pessoas anarquistas se reconhecem na recusa da dominação e na afirmação da autonomia.

Reivindicamos a memória como campo de luta. Em Campinas, essa memória se ancora nas greves operárias, na organização dos trabalhadores ferroviários, nas rebeliões contra a exploração e na persistência da ação direta como método legítimo de enfrentamento. Essas experiências não são passado encerrado, mas matéria viva que continua informando nossas práticas. A história libertária não é linear nem progressiva; ela avança por rupturas, refluxos e reinvenções. Fenikso Nigra se inscreve nessa tradição descontínua, recusando a ideia de evolução controlada e abraçando a transformação permanente.

Nos anos 2000, quando ideias libertárias voltaram a circular com intensidade entre estudantes, trabalhadores e coletivos autônomos, Campinas tornou-se ponto de encontro e dispersão. Zines, panfletos, debates públicos, ações culturais e grupos de afinidade criaram uma rede informal, sem centro e sem comando. Essa forma de organização, baseada em afinidades e práticas concretas, é um dos pilares de Fenikso Nigra: não há representação, não há delegação, não há liderança. Há responsabilidade compartilhada e decisão coletiva. Simples assim!

As Feiras Anarquistas em São Paulo foram, e continuam sendo, territórios temporários de autonomia. Nelas, Fenikso Nigra reconhece a potência do encontro livre, da troca direta e da multiplicidade de vertentes anarquistas convivendo sem necessidade de uma síntese forçada, embora algumas neguem e se digam “mais organizadas” que outras. Pessoas de Campinas participaram dessas feiras não como emissárias de um grupo, mas como corpos em trânsito, levando experiências locais e retornando com novas inquietações (Espaço da Dádiva). As feiras ensinaram que a articulação não precisa se cristalizar para produzir efeitos duradouros.

Os encontros Expressões Anarquistas aprofundaram essa compreensão ao expandir o campo de atuação libertária para além da militância tradicional, levando a várias cidades do interior paulista (Araraquara, Piracicaba, Santo André, Ribeirão Preto, Assis, Campinas, etc) essa perspectiva. Arte, música, literatura, pedagogias libertárias, debates sobre gênero, sexualidade, antirracismo e crítica às tecnologias de controle passaram a integrar o fazer anarquista de maneira inseparável. Fenikso Nigra afirma que não há separação entre vida e política: toda forma de criação é também uma forma de enfrentamento ao poder.

O Fórum Geral Anarquista emerge como experimento histórico de articulação mais ampla, em um contexto de intensificação dos conflitos sociais e das mobilizações de massa, especialmente a partir de 2016. O Fórum buscou criar espaços de diálogo e coordenação sem se tornar uma instância de comando. Fenikso Nigra reconhece nesse processo tanto sua importância quanto suas tensões: articular sem centralizar, construir sem institucionalizar, dialogar sem representar. Essas contradições não são falhas, mas expressões reais do desafio anarquista em contextos de luta ampliada. O Fórum Geral Anarquista contou com a presença de pessoas de grupos anarquistas de outros países, como Portugal, Italia, Alemanha, Eslovenia, Chile, Argentina, França entre outros.

Após os grandes ciclos de mobilização, veio o recolhimento estratégico. Menos visibilidade, mais cuidado. Menos palavras de ordem, mais apoio mútuo. Em Campinas, isso se traduziu em redes informais de solidariedade, produção cultural independente, debates menores e mais intensos, práticas cotidianas de resistência. Fenikso Nigra se afirma nesse terreno subterrâneo, onde a anarquia se vive mais do que se proclama.

Este manifesto afirma: não buscamos reconhecimento institucional, nem unidade ideológica, nem permanência organizacional. Buscamos a capacidade de nos encontrar, agir e nos transformar sem reproduzir as lógicas do poder que combatemos. Fenikso Nigra não pretende representar o anarquismo, mas praticá-lo. Não pretende durar para sempre, mas reaparecer sempre que necessário.

Somos pessoas herdeiras de lutas passadas, mas não seus guardiões. Somos continuidade sem obediência, ruptura sem esquecimento. Fenikso Nigra é chama escura: aquece, ilumina, mas não se deixa capturar. Enquanto houver exploração, hierarquia e controle, haverá metamorfose, afinidade e ação direta. Onde pessoas anarquistas se encontrarem sem mando e sem medo de mudar, ali Fenikso Nigra estará — mesmo que sem nome, mesmo que por um instante. Na luta somos pessoas dignas e livres

MANIFESTO HISTÓRICO-POLÍTICO FENIKSO NIGRA
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