– DA OCUPAÇÃO E DA LEI CIVIL COMO CAUSAS EFICIENTES DO DOMÍNIO DE PROPRIEDADE.

Definições
O direito romano definiu a propriedade, “Dominium est jus utendi fruendi et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur”, como o direito de usar e abusar dos bens contanto que a razão do direito o permita. Tentou-se justificar a palavra abusar dizendo que ela exprime o domínio absoluto e não o abuso insensato e imoral. Distinção inútil, imaginada para a santificação da propriedade e sem efeito contra os delírios do gozo, que não prevê nem reprime.
O proprietário é senhor de deixar apodrecer os frutos, semear sal no campo, usar as vacas em trabalhos na areia, transformar uma vinha em deserto e converter uma horta num parque: tudo isso é, sim ou não, abuso? Em matéria de propriedade o uso e o abuso confundem-se necessariamente.
Segundo a Declaração dos direitos, publicada à cabeça da Constituição de 93, a “propriedade é o direito de gozar e dispor à sua vontade dos bens, lucros, fruto do seu traoalho e indústria”.
Código de Napoleão, artigo 544: “A propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, contanto que delas se não faça um uso proibido pelas leis e regras.”
Estas duas definições vão ao encontro da, que nos legou o direito romano: todas reconhecem ao proprietário um direito absoluto sobre a coisa; e, quanto à restrição trazida pelo Código, contanto que delas se não laça um uso proibido pelas leis e regras, tem por objetivo impedir que o domínio de um proprietário crie obstáculos ao domínio de outro proprietário e não Iimitar a propriedade: é uma confirmação do princípio, não uma Iimitação.
Distingue-se na propriedade: 1.°- A propriedade pura e simples, “o direito senhorial sobre a coisa” ou, como se diz, a propriedade nua; 2.°- A posse: “A posse, diz Duranton, é uma coisa de ,facto e não de direito” Toullier: “A propriedade é um direito, uma faculdade legal; a posse é um fato.” O locatário, o rendeiro, o usufrutuário são possuidores; o senhor que aluga, que empresta a juros e o herdeiro que só espera a morte de um usufrutuário, são proprietários. Assim, ouso servir-me desta comparação: um amante é possuidor: um marido é proprietário.
Esta dupla definição da propriedade, como domínio e posse, é da mais alta importância; e é necessário compenetrarem-se bem disso se querem ouvir o que temos para dizer.
Da distinção entre posse e propriedade nasceram duas espécies de direitos: o Jus In re, direito na coisa, pelo qual posso tirar a propriedade que me pertence das mãos em que se encontra; e o Jus ad rem, direito à coisa, pelo qual pretendo tornar-me proprietário.
Assim, o direito dos esposos sobre a pessoa do cônjuge é Jus In re; o de dois noivos é apenas Jus ad rem. No primeiro caso estão reunidas a posse e a propriedade; no segundo limita-se a propriedade vazia. Na minha qualidade de trabalhador, tendo direito à posse dos bens da natureza e indústria e que através da minha condição de proletário, não gozo nada, é em virtude do Jus ad rem que peço a admissão no Jus In re.
Esta distinção de Jus In re e Jus ad rem é o fundamento da famosa divisão do possessório e do petitório, verdadeiras categorias da jurisprudência, que abarcam completamente na sua imensa circunscrição. Diz-se petitório tudo o que respeita a propriedade; possessório o que é relativo à posse. Escrevendo isto contra a propriedade é a toda a sociedade que intento uma ação petitória; provo que os que hoje não possuem são proprietários pelo mesmo direito que aqueles que possuem; mas em vez de concluir que a propriedade deve ser repartida por todos, peço que seja abolida para todos, como medida de segurança geral. Se sucumbir na minha reivindicação, a todos vós, proletários e a mim, não nos resta mais que cortar o pescoço nada mais temos a reclamar da justiça das nações porque, tal como o ensina, no seu estilo enérgico, o Código do processo, artigo 26, o demandante cujos fins de petitório são indeferidos já não pode ser aceite como possessor.
Se, pelo contrário, ganhar o meu processo: então recomeçaremos uma ação possessória, com o fim de obter a nossa reintegração no gozo dos bens que o domínio de propriedade nos rouba. Espero não termos de fazer isso, até porque as duas ações não podiam ser simultâneamente propostas pois, segundo o mesmo Código de processo, o possessório e o petitório nunca serão acumulados.
Antes de entrar no âmago da questão não será inútil apresentar aqui algumas observações prejudiciais.
(Prooudhon in O que é a propriedade?)





