Há motivos para renunciar à palavra anarquia mal acreditada, para substituí-la por uma formula de confiança, mais “explícita”, mais “construtiva”, mais “sintética” etc, ajuntando às palavras socialismo, comunismo, sindicalismo ou outro qualquer ismo o termo libertário?
Por nossa parte, cremos que, se a palavra anarquia assusta, é precisamente porque esta palavra constitui uma audaciosa concepção revolucionária como solução atual, para os espíritos dispostos à preguiça mental e ao servilismo. Enquanto se apresenta como utopia, como devaneio para o espírito, forjando uma hipótese, a nossa doutrina conserva simpatias sorridentes, às vezes um pouco inquietas; mas, chegada a hora de ser posta em prática, os mais fanáticos defensores da idéia em palavras empalidecem ante sua realização.
Falemos sem rodeios: a perspectiva de viver sem chefes, sem deuses, sem patrões e sem juizes, em plena responsabilidade de adultos emancipados, longe da paternal autoridade das leis, longe da imagem de um exemplo a seguir – é nisto, precisamente, e não em outra coisa, que devemos procurar a causa de todo temor, às vezes fascinante, que produz a palavra anarquia – e é, sem dúvida alguma, o infantilismo mental dos povos habituados a obedecer e ao uso religioso que faz da palavra anarquia – tão pouco agressiva no sentido etimológico (não-autoridade) – simbolo universal do caos sangrento, da desordem dos costumes, da negação de toda vida social. O problema não está, pois, nas palavras, e sim no fundo das coisas; para chegar à liberdade pela liberdade, necessário se torna achar um meio de fazer aceitar ao povo a idéia, a situação responsável da idade adulta, com todas as conseqüências.
A palavra liberdade, o objetivo libertário, enquanto, formulas gozam de uma acolhida favorável. É que elas não dão lugar a uma interpretação inocente e infantil: aquela liberalidade dos donos ou das leis, aquela da possessão das liberdades concedidas. A idéia apaziguadora da autorização, da concessão, da permissão, é um bálsamo para os corações débeis.
Quereis prestar-vos a êxitos fáceis de propaganda? Apresentai aos buscadores de felicidade e segurança (maioria natural de todos os auditórios) uma maquete de sociedade completamente feita de tons dourados, como uma jaula nova e bonita; depois, fazei-os admirar quão espaçosa e libertária é essa jaula: mostrai-lhes bem a alcova, o banheiro e todas as dependências destinadas a oferecer conforto e frivolidades. Podereis contar com os aplausos entusiásticos daqueles que desejam arrendar a bela jaula do futuro.
Mas, se convidais a cada um dos assistentes a dar-se ao trabalho de organizar por si a sua própria vida, fazendo – isto não seria mais que um pensamento – abstração de toda autoridade tutelar; se propusésseis ao vosso público, como programa, a defesa solidária e comum da autonomia de cada um; se insistísseis para compreender essa realização em um prazo determinado, não tardaríeis em ver as coisas sombrias.
O problema está, pois, não em fazer amar as liberdades, mas em fazer amar a liberdade, o que não é a mesma coisa.
O problema está em fazer acreditar na liberdade integral, em fazer aceitar as responsabilidades de lutar por ela, desprezando todas conseqüências e riscos. O problema está em fazer aceitar a anarquia – compreendendo as dificuldades transitórias e o esforço que é preciso fazer para seguri adiante.
O problema está em fazer aceitar e lutar por um mundo “sem amos nem senhores”, como coisa preferível à “ordem” atual existente. Por isso, repetimos com Elise Reclus: “O dragão que está à porta da Anarquia nada tem de terrível: é uma palavra apenas!”
ACRACIA é outra designação de Anarquia, usada principalmente entre libertários de língua castelhana. Na imprensa anarquista da Espanha figuram assim intituladas. Em dicionários figura como neologismo, significando o mesmo que anarquia, ausência de autoridade. Do grego: A (Ausência) + Kratos (Força, Poder).
G. Cello