A sociedade que se proclama civilizada continua a organizar-se sobre fundamentos profundamente autoritários. Mudam-se os nomes das instituições, renovam-se as leis, mas permanece intacta a estrutura moral que exige obediência, sacrifício e renúncia de si. O Estado, a Igreja e o Capital apresentam-se como garantidores da ordem, quando na verdade são os principais obstáculos à liberdade humana.

O anarquismo afirma, contra todas as tutelas, que ninguém necessita de amos para viver com dignidade. A autoridade não educa, não moraliza, não protege: apenas acostuma à submissão. Por isso, toda sociedade hierarquizada produz seres humanos inseguros, dependentes e temerosos da própria autonomia. A liberdade, ao contrário do que se repete, não corrompe; responsabiliza.

Essa dominação manifesta-se de modo ainda mais cruel sobre a parte da humanidade historicamente destinada ao silêncio. A moral dominante transformou o sacrifício em virtude e a renúncia em dever. Sob o pretexto da proteção, impôs-se a vigilância do corpo, do desejo e do pensamento. A educação ensinou a servir antes de ensinar a compreender, e a obedecer antes de ensinar a escolher.

A luta emancipatória nasce da recusa radical dessa ordem. Não pede direitos concedidos de cima, nem reformas que mantenham intacta a estrutura da opressão. Afirma que não pode haver emancipação social enquanto persistirem relações de dominação nos afetos, na família, no trabalho e na educação. A liberdade não é divisível: ou é integral, ou não existe.

O casamento, erigido como instituição moral, converteu-se em contrato de dependência; a maternidade, glorificada em discursos, foi imposta como destino inevitável; o trabalho, apresentado como redenção, tornou-se instrumento de exploração e controle. Contra essas ficções respeitáveis, anarkafeminismo proclama o direito à autodeterminação do corpo, do afeto e da vida.

Defender o amor livre não é exaltar a irresponsabilidade, mas libertar o sentimento da mentira e da coerção. Defender a educação racional não é negar valores, mas romper com a hipocrisia que confunde moral com submissão. Defender a autonomia individual não é egoísmo, mas condição primeira para a solidariedade consciente.

Não se deve esperar da lei aquilo que só a transformação moral pode realizar. As leis seguem os costumes, nunca os precedem. Enquanto se aceitar a desigualdade como natural, enquanto se ensinar a obedecer em vez de pensar, enquanto se glorificar a autoridade como virtude, toda reforma será aparência e toda liberdade, promessa adiada.

A revolução que se impõe é profunda e cotidiana. Começa na recusa de educar para a servidão, na recusa de amar sob vigilância, na recusa de viver segundo papéis impostos. Começa quando cada pessoa reivindica para si a plena responsabilidade de existir.

Somente assim poderá nascer uma sociedade fundada não na força, mas no acordo livre; não na moral imposta, mas na ética consciente; não na dominação, mas na dignidade humana.

Na luta somos pessoas dignas e livres!

Pela emancipação integral da vida
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