
No Brasil, a distância entre anarquismo e liberalismo fica mais evidente quando saímos do plano abstrato e olhamos para a realidade concreta do país. O liberalismo brasileiro, tanto em sua versão clássica quanto na neoliberal, sempre se apresentou com o discurso da liberdade, da “super” eficiência do setor privado e do “Estado mínimo”, mas historicamente funcionou como um projeto de manutenção dos privilégios das elites econômicas, que sempre se mantiveram no poder de uma forma quase continuada, a troca de poder sempre ocorreu dentro e somente entre os grupos de poder das elites brasileiras. Desde a formação do Estado brasileiro, a lei, a polícia e as instituições nunca foram neutras: serviram para proteger a grande propriedade, primeiro rural e escravocrata, depois urbana e empresarial. O anarquismo, ao contrário, parte justamente da experiência cotidiana de quem sofre essa violência estrutural e reconhece que o Estado brasileiro nunca foi um garantidor de direitos, mas um instrumento de controle social.
Quando liberais brasileiros defendem menos Estado, o que geralmente está em jogo não é a libertação do povo, mas o desmonte de políticas públicas que minimamente sustentam a vida da maioria. O Estado “mínimo” no Brasil continua máximo na repressão: a polícia que mata nas periferias, o sistema prisional que encarcera em massa jovens negros e pobres, e o Judiciário que protege grandes empresários e latifundiários. Para o anarquismo, isso não é um desvio do liberalismo brasileiro, mas sua consequência lógica. Um sistema que coloca a propriedade privada acima da vida humana precisa de violência constante para se manter, especialmente em um país marcado por desigualdade extrema.
Na economia, o contraste é brutal. O liberalismo defende a flexibilização das leis trabalhistas em nome da “liberdade de contratar”, mas, na prática brasileira, isso significa trabalho precarizado, informalidade e salários insuficientes para sobreviver. O trabalhador de aplicativo, por exemplo, é vendido como “empreendedor de si mesmo”, quando na realidade não tem direitos, estabilidade nem controle real sobre seu trabalho. O anarquismo denuncia essa farsa: chamar exploração de liberdade não a torna menos exploração. Em oposição, práticas como cooperativas populares, ocupações urbanas autogeridas e redes de economia solidária — comuns em favelas, assentamentos e periferias — mostram que a autogestão não é uma utopia distante, mas uma resposta concreta à exclusão produzida pelo capitalismo liberal.
A noção de liberdade também revela o abismo entre essas visões no contexto brasileiro. Para o liberalismo, alguém é livre porque pode “escolher” onde trabalhar ou consumir, mesmo vivendo sob ameaça constante de desemprego, fome ou violência policial. Para o anarquismo, essa liberdade é vazia. Não há liberdade real em um país onde milhões dependem de transporte precário, moradia irregular e serviços básicos insuficientes, enquanto uma minoria concentra renda, terra e poder político. O anarquismo entende que a dominação no Brasil não é apenas estatal, mas também econômica, racial e territorial, e que enfrentá-la exige mais do que reformas legais: exige romper com as estruturas que produzem essa desigualdade.
Nesse sentido, o anarquismo dialoga diretamente com práticas históricas de resistência no Brasil, como a auto-organização comunitária nas periferias, os mutirões de moradia, as associações de bairro, os sindicatos de base e as formas de solidariedade que surgem onde o Estado só aparece para reprimir. Diferente do liberalismo, que aposta em instituições distantes e na lógica do mercado, o anarquismo reconhece nessas experiências a prova de que o povo brasileiro já sabe se organizar sem chefes, patrões ou salvadores. Em um país onde o Estado liberal nunca garantiu dignidade para a maioria, a proposta anarquista não soa como extremismo, mas como uma resposta radical e necessária a uma realidade marcada pela exploração, pela violência e pela desigualdade estrutural.
Na luta somos pessoas dignas e livres!





